São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 1996
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Como o BC usou o BB

CELSO PINTO

Foi o Banco Central, sim, que combinou com o Banco do Brasil como, quanto e para que bancos ele deveria dar dinheiro no mercado interbancário, no ano passado, para aliviar a crise de liquidez do sistema.
Isso sempre pareceu óbvio, mas só ontem alguém envolvido admitiu o fato: o presidente do BB, Paulo Cesar Ximenes. No final de dezembro, o BB tinha em aplicações interbancárias em outros bancos privados R$ 6,3 bilhões, segundo Ximenes. A Caixa Econômica Federal tinha R$ 7,7 bilhões.
Quando depôs no Congresso, o presidente do BC, Gustavo Loyola, foi perguntado se havia "determinado" ao BB e à CEF dar dinheiro aos bancos privados. Respondeu que não havia determinado. Não é, tecnicamente, uma mentira, já que as duas instituições poderiam não ter concordado.
O fato, contudo, é que, como diz Ximenes, o sistema estava com problemas e o BB em condições de ajudar. Fez isso, combinando cada passo com o BC, inclusive para quem deveria doar recursos.
Ximenes garante que esse tipo de papel de auxiliar do BC acabou: hoje, o BB estaria aplicando no interbancário apenas suas sobras de caixa normais, para os bancos que considera em boa situação.
O BB e a CEF não perderam dinheiro ajudando o BC. Ao contrário, acabaram fazendo um bom negócio: como ajudaram bancos em situação difícil, certamente cobraram taxas de juros mais altas. Agindo em comum acordo com o BC, na prática não correram riscos, ainda que o acerto jamais tenha sido formalizado.
O arranjo, de todo modo, está muito longe do ideal. Existe um guichê correto para bancos com problemas de liquidez, que não conseguem dinheiro junto a doadores privados: a linha de redesconto do BC. Se, em seu formato atual, recorrer a redesconto é equivalente a um atestado de óbito, é preciso mudar o redesconto, não o guichê.
Para o BB, o papel de auxiliar do BC é mais um exemplo de sua esquizofrenia ao ser, como diz Ximenes, um banco que é "um meio-termo entre público e privado".
Se a crise bancária tivesse se alastrado no ano passado e o BB tivesse sido pilhado com bilhões aplicados em bancos quebrados, teria recorrido à sua porção pública para receber o dinheiro de volta do BC. Como tudo deu certo, embolsou os lucros nos cofres de sua porção privada.
Dívida à venda
O mercado internacional que se prepare. O BB vai vender cerca de US$ 800 milhões de títulos da dívida brasileira, dos quais US$ 560 milhões em IDUs, segundo seu diretor da área internacional, Ricardo Sérgio de Oliveira.
Os IDUs foram emitidos pelo Brasil para pagar juros atrasados da dívida externa. Hoje eles vencem em apenas três anos e são os papéis mais valorizados: valem 90 centavos por dólar, ou seja, têm um deságio de apenas 10%.
Oliveira argumenta que o prejuízo que terá, se conseguir vender os IDUs com um deságio de apenas 10%, será mais do que compensado, em um semestre, com o retorno que o BB terá ao aplicar os reais no Brasil. Resta ver como a cotação dos IDUs e outros títulos da dívida reagirão, quando o mercado souber que existe um vendedor com tanto apetite.
O objetivo do BB, segundo Oliveira, é transformar, ao todo, US$ 2,8 bilhões em títulos da dívida em reais, onde o retorno é muito maior. Desse total, US$ 1,706 bilhão foi acertado no pacote discutido com o Tesouro, na conclusão da disputa do Brasil com a família Dart.
O cálculo é que os US$ 2,8 bilhões transformados em reais renderão R$ 500 milhões ao BB no segundo semestre deste ano. É um valor que já está incorporado nas projeções do banco para este ano.
A intenção é gerar um lucro no segundo semestre, mesmo que seja pequeno, de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões. Para convencer os acionistas privados a entrarem no pacote de R$ 8 bilhões de aumento de capital, o BB está prometendo distribuir pelo menos 35% de seu lucro como dividendos até o ano 2.000.
Hoje, segundo Oliveira, o BB tem US$ 6 bilhões de ativos no exterior, dos quais US$ 5,4 bilhões em títulos da dívida externa brasileira. Ximenes reclama que carregar estes papéis durante tanto tempo foi uma da razões para o mau desempenho do BB. Enquanto os bancos privados se esbaldavam com juros internos altíssimos, o BB tinha que carregar os papéis da dívida.

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