São Paulo, sábado, 23 de março de 1996
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As pequenas causas

HORÁCIO W. RODRIGUES

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 98, inciso 1, a necessidade da criação dos juizados especiais, com competência, em matéria cível, para "a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade". Em setembro de 95, por meio da lei nº 9.099/95, o legislador ordinário regulamentou o referido dispositivo constitucional.
O texto dessa lei contém algumas impropriedades terminológicas (como a não-distinção entre pequenas causas e causas de menor complexidade, e o equívoco existente ao exigir a formação em direito e a prática advocatícia para os juízes leigos) e técnicas (como a inexistência, pelo menos de forma expressa, de um mecanismo de uniformização de jurisprudência entre as turmas de juízes de primeiro grau, encarregadas de julgar os recursos das decisões dos juizados, principalmente em função do veto feito pelo presidente ao artigo 47, que previa a possibilidade de os Estados-membros instituírem recurso de divergência). Deter-me-ei, neste texto, à primeira delas.
O caput do artigo 3º da lei nº 9.099/95 trata da competência dos juizados especiais cíveis, referindo-se a "causas cíveis de menor complexidade", enumerando em seus incisos o que o legislador inclui entre elas. O inciso 1 estabelece que são de menor complexidade "as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo".
Parece, olhando-se sob os aspectos do adequado acesso à Justiça e da instrumentalidade e efetividade do processo, que o legislador ordinário foi infeliz ao estabelecer, na nova legislação, a inclusão das causas de pequeno valor econômico entre as causas de menor complexidade, tendo em vista configurarem realidades bastante diversas.
As causas de pequeno valor econômico podem, em determinadas situações, ser extremamente complexas, não permitindo, dessa forma, a sumarização do rito. Em contrapartida, a menor complexidade não está ligada ao valor da causa, mas sim ao seu objeto, permitindo a sumarização independentemente de valor. Uma causa pode ser de elevado valor e de menor complexidade, bem como pode ser de pequeno valor e extrema complexidade. Ao estabelecer que são de menor complexidade as ações de valor até quarenta salários mínimos, o legislador ordinário confundiu duas situações diversas.
O legislador constituinte foi extremamente sábio na redação do texto constitucional, ao diferenciar essas duas realidades (no art. 24, inc. 10, os juizados de pequenas causas, e no art. 98, inc. 1, os juizados especiais para causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de pequeno potencial ofensivo). E é diferenciando-as que se pode melhor compreender a norma permissiva da participação de juízes leigos nos juizados especiais cíveis. Esse fato decorre da menor complexidade, a não exigir formação técnica específica. No entanto, a lei nº 9.099/95, ao determinar que são causas de menor complexidade aquelas cujo valor não ultrapassar quarenta salários mínimos, elimina, impropriamente, essa diferenciação presente na própria Constituição Federal.
As pequenas causas e as causas de menor complexidade exigem tutelas jurisdicionais diferenciadas, em função das suas especificidades. Até porque é extremamente difícil determinar genericamente o que são pequenas causas.

Horácio Wanderlei Rodrigues, 37, é professor titular de teoria geral do processo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

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