São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Superpivô pinta unha do pé de vermelho

MELCHIADES FILHO
DO ENVIADO AOS EUA

A vida de Shaquille O'Neal é um barato. Pelo menos é como ele a vê.
O astro do Orlando Magic percorreu, como quase todos os atletas que construíram a NBA, a trajetória miséria-sucesso.
Mas, à diferença dos outros, nunca perdeu o bom humor.
O gigante contou à Folha, em fevereiro, sua última farra: pintar de vermelho as unhas do pé, o segundo mais comprido da NBA.
"É de sacanagem. Eu e meus amigos fizemos. Sem pedicure", declarou, entre risadas.
Shaquille Rashaun, nome tirado pela mãe de um livro islâmico (quer dizer "pequeno guerreiro"), leva uma vida simples.
Não tem guarda-costas.
Levou três amigos para a Flórida. Um, Dennis, virou secretário. Joe, colega de escola, e Kenny, primo, completam a turma do barulho.
Juntos, divertem-se dirigindo pelas ruas de Orlando na companhia de um dicionário de rimas -socorro para a hora em que os raps de improviso empacam.
A decoração da casa de Shaquille segue o estilo "moleque".
Fotos da família dividem paredes com discos de ouro e um eletrocardiograma de seu coração.
Centro de videogames improvisado, a sala de estar destaca um gorila e um tigre empalhados no teto.
O atleta tem três cachorros: dois Rotweiler, chamados Shazaam e Thor, e um Akita, Zeus.
Dá as ordens em uma língua que apenas ele e os bichos entendem. Sentar ("sit down") virou kapaya!
Fala baixo, difícil de entender. Disse à Folha que sussurra para ver os jornalistas se "contorcerem".
Só fica sério na hora de falar do padrasto, Philip Harrison.
O pai de Shaquille, Joe Tomey, abandonou a família quando o atleta nasceu. Menos de um ano depois, Lucille O'Neal casou-se com o sargento Harrison.
"Ele botou comida na minha mesa e roupa nas minhas costas. Eu era uma criança alta, e tinha vergonha. Ele me ensinou a levantar o nariz e não dar importância."
A seguir, Shaquille O'Neal conta à Folha seu ritual de crescimento, suas manias e como faz para se divertir.

*
Folha - Você estourou no basquete cedo. Aos 16 anos, puseram seu corpo no seguro. Aos 20, estava na NBA. Foi difícil corresponder às expectativas? Você sentiu a pressão?
O'Neal - Não me senti muito pressionado, não. Tive que amadurecer antes de chegar à NBA.
Quando era mais jovem, os caras da minha idade eram bem menores que eu. Por isso, acabava ficando com pessoas mais velhas no ginásio ou nas bases (militares em que o padrasto servia). Eu tinha uns 13 ou 14 anos; os sujeitos, uns 20, 21.
Folha - Fizeram de você um monstro de marketing. Isso atrapalha a vida de um jovem de 24 anos?
O'Neal - Da maneira que vejo, não é grande coisa. Toda essa adulação, os comerciais, os filmes, tudo vem com o fato de eu ser um bom jogador de basquete. Tá certo, um jogador muito bom.
Mas preciso resolver isso dia a dia. Se não conseguisse, não estaria no mundo do basquete. Deveria vender seguros ou outra coisa, mano (bro, em inglês).
Folha - E o assédio dos torcedores? Como você encara?
O'Neal - Não é tão mal assim. A maioria das pessoas é legal. Não é intrometida. E tenho sido uma criança especial desde os 10 anos. Então, estou acostumado com o tratamento, essa loucura.
Folha - Você vai ter um filho neste ano. Sua namorada mora no Texas, e você, na Flórida. Há quatro anos é assim. Não é complicado manter um relacionamento assim?
O'Neal - Não se você for um multimilionário e não precisar se preocupar com telefones e passagens de avião (risos).
Folha - Qual é a coisa mais legal que você faz hoje, multimilionário, e que você não podia fazer antes?
O'Neal - Ter e dirigir carros incrementados. Quando estou estressado, entro no meu carrão e estouro o volume. Ponho toda aquela potência, zilhões de watts, para funcionar e saio para dar uma volta, pensando no que fazer.
Folha - É sua principal diversão?
O'Neal - Quando a música bate, dou umas risadas. E, quando dou risadas, fico legal.
Gosto de compor música. É como expresso minha dor. O rap e o rythmn & blues são minha salvação, meus únicos amigos, com quem não preciso me preocupar.
Folha - Você parece um cara relaxado, tranquilo, em paz...
O'Neal - Sou de uma nova geração. Um grandalhão com boa técnica, um belo sorriso e um grande futuro. Vou ganhar um campeonato um dia, talvez mais cedo do que muitos esperam.
Folha - Às vezes, usam essa imagem alegre para acusá-lo de ser folgado e displicente.
O'Neal - As pessoas não têm idéia de quanto dei duro para chegar aqui. Você pensa que nasci com um dom divino? Não!
Só consegui enterrar pela primeira vez aos 17 anos. Aos 17!
Folha - Nos últimos anos, você se arriscou a fazer coisas fora da quadra. Gravou dois discos e fez dois filmes. Que tal?
O'Neal - Foi divertido. Mas também é negócio. Se me oferecerem algo interessante para fazer, um filme, um disco, sei lá, é óbvio que farei. O sol não vai brilhar para sempre na minha direção.
Folha - Isso não afeta seu jogo?
O'Neal - Se não fosse pelo basquete, não haveria tênis, discos e camisetas com meu rosto. O bom senso me diz isso.
Sobre as críticas, havia uma porção de coisas que não conseguia fazer no começo da carreira e que agora consigo. Acho que o pessoal na liga já percebeu.
Ainda tem coisas que preciso melhorar, como os lances livres. Mas eu chego lá. Não esqueça: sou uma criança e ainda cometo erros.
Folha - E como uma criança lida com tanto dinheiro?
O'Neal - (risos) Sei fazer negócios. Foi meu primeiro apelido na faculdade, Real Deal (bom negócio, em inglês).
Folha - Você não tem medo de aproveitadores?
O'Neal - Sei diferenciar quando as pessoas estão interessadas em mim ou na minha grana. Minha mãe me deu bons conselhos. Ela sempre dizia 'fique longe desses parasitas'. E meu pai (o padrasto Harrison) me ensinou a diferença entre o que é bom e o que é ruim.
Folha - Ter muito dinheiro mudou seus gostos pessoais?
O'Neal - Não.
Folha - Qual é seu prato favorito?
O'Neal - Gosto de comer pizza e canja de galinha.
Folha - Em casa?
O'Neal - Num restaurante de Orlando (Serafina's Pisa Pizza).
Folha - Quem, e com que frequência, raspa sua cabeça?
O'Neal - Toda a semana com Des (Desly's, no centro velho de Orlando). Ele faz uma massagem com álcool de cereja que é ótima.
Folha - E roupas? Tem alguma mania, algum estilista?
O'Neal - Gosto de usar chapéus pretos derby, tipo os do Costello.
Folha - Da dupla de comediantes Abbott & Costello, dos anos 40-50?
O'Neal - É. Tenho todos os filmes deles em vídeo.
Folha - Os ídolos do esporte cada vez têm mais espaço na mídia. Como lidar com a responsabilidade?
O'Neal - Não posso educar todas as crianças do mundo. Mas temos grande influência.
Folha - Você não tem medo de escorregar e fazer besteira?
O'Neal - O mundo todo espera que eu erre. Mas não sou burro. Não vou dirigir bêbado. Nem usar drogas. As polêmicas podem vender, mas não preciso delas. Quero ser um perfeito irmão mais velho.
Folha - Sinceridade?
O'Neal - Com um cara grande como eu, é preciso ser sincero. O que você vê é o que você tem.

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