São Paulo, terça-feira, 26 de março de 1996
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O Nacional foi doado

O Nacional foi doado
ALOYSIO BIONDI
O banc

ALOYSIO BIONDI

O banco Nacional foi doado ao Unibanco, enquanto o Tesouro ficava com um rombo (até agora) de R$ 0,6 bilhões.
Essas informações não são sigilosas: elas estão estampadas no balanço, do próprio Unibanco, publicado no último dia 29 de fevereiro. Vamos à análise técnica da "operação", conforme tem sugerido o colega Luís Nassif:
Sem venda: pouca gente entendeu, até hoje, que o Unibanco não quis comprar, e não comprou a empresa Banco Nacional. Do banco ele só quis, como diz o relatório, a "atividade operacional bancária", isto é, os "negócios com a clientela".
O que vem a ser isso? O dinheiro a receber (empréstimos, basicamente) e o dinheiro a pagar (depósitos, basicamente).
Todos os negócios bancários? Não: O Banco Nacional deixou que, durante semanas (ou meses?) o Unibanco, escolhesse cuidadosamente apenas os empréstimos garantidos, ou "selecionados", como diz o relatório.
Total entregue ao Unibanco: R$ 6,5 bilhões de ativos (a receber) e R$ 6,5 bilhões de passivos (a pagar, a devolver).
Podre: se o Unibanco ficou com os negócios do banco, o que aconteceu com o Nacional? Acabou? Não. É isso que não tem sido entendido.
A "empresa" Nacional ficou com o Banco Central. Isto é, somente sua parte "podre". Que, obviamente, vai deixar um rombo. O governo sabia disso.
Pagamento: até aqui, estamos entendidos; o banco "podre" continua, com o BC, para ser liquidado.
E as outras empresas do grupo? Aqui, sim. O Unibanco comprou a seguradora, a administradora de cartões de crédito, duas empresas de leasing, uma de previdência, além de dois bancos que o Nacional tinha no exterior (Paraguai e Luxemburgo).
Que mais? As agências de Nassau, Nova York e Miami, no exterior. Quanto o Unibanco pagou por esses negócios?
Pelo patrimônio líquido, como Nassif consideraria tecnicamente correto? Não.
Como diz o relatório do Unibanco, "foram adquiridos investimentos permanentes" no total de R$ 682 milhões naquelas empresas - ou, em bom português, foi devolvido apenas o dinheiro, o capital, que o grupo Nacional havia aplicado naquelas coligadas (na verdade, sequer isso foi pago ao Banco Central. Como explicado abaixo).
Potencial: o valor de venda de qualquer empresa (até de um boteco) não é fixado com base apenas em suas instalações, estoques etc.
O comprador paga também pela possibilidade, ou potencial de lucro. É uma espécie de ágio, que os técnicos gostam de chamar de "goodwill".
O Unibanco pagou esse ágio? Nem um tostão na compra das duas empresas de leasing, pelo banco de investimento, pelo Prever (previdência privada), pelos dois bancos e pelas três agências no exterior.
O próprio relatório do Unibanco diz que houve o pagamento de ágio (de ridículos) R$ 300 milhões, no caso apenas de "carteira de clientes recebidos do banco, seguradora e operadora de cartão".
Detalhe: nem mesmo esses R$ 300 milhões, que iriam para o Banco Central cobrir uma fatia da parte podre, serão desembolsados.
Serão pagos em cinco anos, ou R$ 60 milhões por ano, em média. Vale a pena comparar esse valor com o potencial de lucros, para uma avaliação técnica como exigido por Nassif:
Seguradora: a empresa do Nacional tinha um patrimônio líquido de R4 335 milhões, ou 2,5 vezes o da seguradora do Unibanco.
Segundo o próprio balanço do Unibanco, sua seguradora deve um lucro de 25% sobre o patrimônio líquido (mesma faixa de seguradora Bradesco). A seguradora do Nacional pode oferecer um lucro de R$ 80 milhões por ano (25% do patrimônio).
Cartões de crédito: a Nacional Visa era a terceira do mercado, e faturou R$ 1,8 bilhão em 1995 (avanço de 150% sobre 1994).
Se o seu lucro, de barato, ficar na faixa de 2% sobre o faturamento, serão mais R$ 36 milhões. Ao ano.
Banco: do "ágio" de R$ 300 milhões, seguradora e cartões de crédito podem cobrir uns R$ 120 milhões. Em um ano.
Restariam R$ 180 milhões para serem compensados pelos negócios da "parte boa" do banco.
Ou R$ 36 milhões por ano, em cinco anos. Isto por um negócio de R$ 13 bilhões de reais (R$ 6,5 bilhões de ativos e R$ 6,5 bilhões de passivos).
Agências: o relatório do Unibanco deixa claro que, no caso da empresa banco Nacional, pagou "ágio" apenas pela "clientela".
Não houve pagamentos pela rede de agências e postos (1.250), ou por equipamentos -inclusive o sofisticado sistema de informática do Nacional.
Grátis: para coroar, o Unibanco não desembolsou um tostão na operação de R$ 1,0 bilhão.
A parcela de R$ 682 milhões foi "paga" ao Banco Central com ações do próprio Unibanco, para serem guardadas no cofre e vendidas no futuro. Além dos R$ 300 milhões serem pagos em cinco anos, como visto.
Presente: noticiou-se que,dos R$ 5,8 bilhões aplicados pelo Proer na "operação Nacional", cerca de R$ 1,5 bilhão foi entregue ao Unibanco.
A posição desta coluna sempre foi clara: a venda do Nacional ao Unibanco foi feita em condições incrivelmente prejudiciais ao país. Deve ser revista.

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