São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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Eunice Paiva deixa comissão e gera crise

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Contrariada com pressões de familiares de mortos e desaparecidos políticos, a advogada Eunice Paiva se demitiu ontem da comissão criada pelo governo para analisar indenizações de parentes de vítimas do regime militar (1964-1985).
"Estava muito pesado para mim. As pessoas acham que todas as vítimas da ditadura têm que ser indenizadas", afirma. "Não é isso o que diz a lei", declara. Eunice é viúva do deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971, no Rio.
A demissão de Eunice provoca a primeira crise na comissão criada pela lei 9.140, de dezembro passado, que reconheceu o direito a indenização de 136 desaparecidos. O objetivo da comissão é estender o benefício a outras vítimas fatais do regime militar.
Na semana passada, o voto de Eunice contribuiu para que fossem negadas indenizações a familiares de dois mortos -Arno Preis, que morreu em 1972, em Goiás, e Hamilton Fernando Cunha, morto em 1969, em São Paulo.
A maioria dos membros da comissão não reconheceu o argumento das famílias de que os dois foram mortos por policiais. A versão oficial diz que Preis matou um policial antes de ser morto, e que Cunha foi morto por um colega.
A decisão gerou duras críticas de familiares a Eunice. Ela diz ter recebido cartas e telefonemas com "desaforos". "Tem gente que me olha agora atravessado."
Eunice afirma estar "convencida" de que grande parte das versões oficiais sobre mortes foi "forjada pelos policiais, como as que falam de enforcamentos, atropelamentos e tiroteios".
"Mas existem outros casos que não se consegue comprovar isso", diz. Nesses casos, afirma, a lei tem que ser cumprida. "Não adianta brigar com a lei. Quem não concordar, brigue para ampliá-la."
O convite para Eunice ser um dos sete membros da comissão foi feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O presidente da comissão, Miguel Reale Júnior, diz que a renúncia de Eunice é uma "perda significativa". Segundo Reale, FHC deve anunciar seu substituto nos próximos dias.
Desde sua instalação, em janeiro, a comissão reconheceu a responsabilidade do Estado em outras 48 mortes e autorizou a indenização dos familiares. Há cerca de 200 outros casos aguardando julgamento. Os familiares responsabilizam os militares pela morte de 369 pessoas -217 mortas e 152 desaparecidas.

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