São Paulo, sábado, 30 de março de 1996
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Cuidados médicos

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 2ª edição), escrevi: "A garantia à vida é plena, irrestrita, posto que dela defluem as demais, até mesmo contra a vontade do titular, pois é contrário ao interesse social que alguém disponha da própria vida".
Lembrei-me da importância do artigo 5º da Constituição, a que esse texto se refere, ao verificar que continua a crescer o número de mortos por hemodiálise, em Caruaru, no Estado de Pernambuco, num estranho exemplo de desprezo pela vida. A morte por hemodiálise defeituosa, infelizmente, não é incomum, mas nesse nível de descuido é absurda. Ela se integra no longo rol das mortes hospitalares ou por erro médico, em que se mesclam a imperícia, o desconhecimento de preceitos éticos e uma certa arrogância, a contar da superestimação da própria competência, característica de alguns médicos.
Chama a atenção da mídia e do público, o direito penal. Fala-se das penas de prisão, espera-se o julgamento, mas logo o assunto some das manchetes. Contudo, no longo caminho dos processos, os fatos acontecem, interessando apenas aos parentes das vítimas e aos causadores da desgraça: a cobrança da indenização por responsabilidade civil e o processo ético, no espaço interno (e secreto) dos respectivos conselhos profissionais.
Há uma triste verdade, a ser reconhecida. Quando a acusação de erro envolve mestres famosos, os conselhos internos das universidades examinam tais questões e decidem com maior velocidade, mas com a tendência de isentar de responsabilidade (justa ou injustamente) os professores.
Os Conselhos Regionais de Medicina são, por lei, os encarregados de conferir o comportamento ético e profissional dos seus registrados. O imprescindível direito de ampla defesa e do contraditório ajuda a retardar a solução administrativa, nesses Conselhos, o que desaponta as vítimas. Todavia, da experiência vivida em São Paulo -a única de que tenho conhecimento-, os processos são levados a sério. A crença geral de que "lobo não come lobo", segundo a qual os médicos do conselho não puniriam seus colegas, nem sempre é verdadeira.
Resta, pois, a questão da responsabilidade civil. A família da vítima tem direito de mover ação indenizatória contra os responsáveis pelo dano, que tanto pode ser material quanto moral. O dano material corresponde ao que a família perdeu ou razoavelmente deixou de ganhar. O dano moral é arbitrado pelo juiz, segundo seu prudente critério.
Dois pontos são relevantes. As clínicas são da responsabilidade de médicos. Quando o médico é servidor público e a clínica é mantida em hospital público, os parentes da vítima são beneficiados pelo artigo 37 da Constituição, em seu parágrafo 6º. Basta o evento prejudicial e a prática por servidor público para garantir direito à indenização, paga pelo Estado.
Se se tratar de entidade particular, cabe provar a culpa do responsável ou responsáveis. A culpa tanto pode ser por ação, quanto por omissão, por negligência, imperícia, imprudência. A culpa é do patrão, do dono, pessoa natural ou pessoa jurídica, ainda que causada por empregado. O patrão tem o dever de indenizar. Quando vítimas e parentes criarem coragem para cobrar o direito indenizatório, contribuirão poderosamente para que haja mais responsabilidade nos cuidados com a vida.

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