São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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Fortuna canta alegria do repertório sefardita

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Fortuna Safdié, 38, começou a explorar há três anos um rico filão musical que a tradição oral perpetua há pelo menos cinco séculos.
Trata-se do cancioneiro dos judeus expulsos da Espanha em 1492, o mesmo ano em que Cristóvão Colombo aportava na América.
Os judeus sefarditas mantiveram como língua o ladino -idioma muito próximo do espanhol- e um tipo de fraseado e de harmonização que traz o odor rejuvenescido da música medieval.
Fortuna já vendeu no Brasil 34 mil CDs. Ela fornece hoje à noite, no Teatro Municipal de São Paulo, uma amostragem de sua arte.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha:
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Folha - Qual o diferencial de seu espetáculo do Municipal?
Fortuna Safdié - O espetáculo será o mesmo que eu apresentei no ano passado em Miami, Nova York, Caracas e Buenos Aires. O repertório mesclará canções de meus dois discos.
Folha - Será um repertório sagrado ou profano?
Fortuna - Será bem equilibrado. Cantarei, por exemplo, alguns salmos musicados por mim.
Folha - Qual é a relação da juventude judaica sefardita para com esse cancioneiro?
Fortuna - Somos, no fundo, um pouco como os filhos dos índios, que perdem o apego a suas origens culturais.
Folha - Até que ponto as canções sefarditas não são vistas apenas como um anacronismo da cultura judaica da diáspora, já que, com o Estado de Israel, essa cultura é hoje oficialmente hebraica?
Fortuna - É verdade, mesmo se hoje em Israel faz muito sucesso a música de origem étnica. São os casos de Ofra Haza, com um tipo de música baseada nos judeus iemenitas, e de Shlomo Gronich, que se inspirou nos judeus da Etiópia.
Folha - Mas a música sefardita não tem componentes que ultrapassam a cultura judaica?
Fortuna - Com certeza. Há o sentimento espanhol, o ritmo dos mouros e obviamente, também, a alma judaica. Há ainda outras influências: quando os judeus foram expulsos da Espanha, eles se fixaram nos Bálcãs, na Grécia, na Turquia. A música sefardita se tornou um caldeirão arquetípico.
Folha - O repertório é limitado. Vem de raízes do passado.
Fortuna - Eu sempre tive esse receio. Mas foi por causa disso que também fui levada a trabalhar minhas próprias composições. É este o projeto de meu terceiro CD: musicar os velhos poetas da Andaluzia, os poetas árabes que conviveram com os judeus na Espanha.
Folha - Há centros de documentação que coletam e armazenam o repertório sefardita?
Fortuna - Na Universidade Hebraica de Jerusalém, há uma fonoteca com um acervo maravilhoso, tanto gravado quanto impresso. Há também, na Espanha, uma cidadezinha chamada Urueña, pertinho de Valladolid, onde um centro etnográfico, dirigido por um não-judeu, Joaquim Diaz, recolheu nas aldeias canções com influência judaica.
Folha - Já foi feita alguma pesquisa sobre os sefarditas que no século 17 se fixaram em Pernambuco e saíram por causa da Inquisição?
Fortuna - Não tenho maiores informações e estou interessada em aprofundar essa pesquisa. Recebi recentemente de lá uma carta de alguém que relatava costumes antigos, observados aos sábados, próprios aos cristãos novos.
Folha - O Estado de Israel aprecia esse cancioneiro, ou acredita que a cultura sefardita seria uma espécie de "separatismo" idêntico ao da cultura iídiche dos judeus asquenazitas, da Europa Central?
Fortuna - Eu não posso falar pelo Estado de Israel. Mas os governantes gostam dessa música.
Folha - Seu público é só judaico?
Fortuna - De forma alguma. Há três anos, creio que a comunidade judaica era importante. Hoje, não consigo mais identificar a origem do público. Há dias, em Santos, onde há poucos judeus, havia 750 pessoas na platéia. Em São José do Rio Preto havia 300 pessoas. Não há sinagoga por lá, ao que eu saiba. É um público muito eclético, que curiosamente também gosta da música do Madredeus.
Folha - Sua música não está sendo confundida com a world music?
Fortuna - Infelizmente não. Se fosse assim, eu estaria ganhando muito mais dinheiro. Gostaria de vender tanto quanto a Enya.

Espetáculo: "Fortuna canta ladino"
Quando: hoje, às 21h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 011/222-8698)
Ingresso: de R$ 2,00 a R$ 25,00

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