São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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Os donos que passam

JANIO DE FREITAS

Chama-se avenida Brasil a via principal de acesso dos subúrbios ao centro do Rio, além de servir de entrada na cidade para quem chega de outros Estados por estrada ou, de qualquer parte, pelo Galeão. Não é preciso, portanto, descrever o tráfego nesta avenida cuja estupidez, em todos os sentidos, lhe justifica o nome.
E então chega ao Rio uma grande autoridade. Nada mais nada menos do que o vice-presidente da República. Ele, sim. Em pessoa, sim. Marco Maciel, o grande vice. O que fazem as autoridades menores, governantes do Estado e da cidade, militares e policiais? O que Marco Maciel, o grande vice, merece: interrompem o trânsito na avenida Brasil para que a vice-alteza passe à vontade, já que, por qualquer capricho, não quis usar a alternativa da veloz Linha Vermelha.
O trânsito paralisado, o calor infernal e multiplicado pelos gases dos motores, o funk da businaria -são milhares incalculáveis de pessoas com a vida retida na situação sem defesa. E sem explicação.
Sem explicação só até a passagem do primeiro motociclista com a sirene a todo volume. Eis aí, é o hino da autoridade. É a voz do poder, a voz que soava a toda hora pelo Rio, pelo Brasil de todas as avenidas, durante as duas décadas que o Clube Militar celebrou anteontem, nostálgico de outro 31 de março.
E que apropriado é o som desta sirene, que justa é a paralisação dos carros e das vidas, para a passagem de alguém tão representativo daqueles anos que, ainda hoje, não pode transitar como faria o vice-presidente de uma democracia. Que apropriada é esta passagem de Marco Maciel, para lembrar que o poder continua sendo o mesmo poder, que a autoridade continua sendo a mesma autoridade. A mesma mentira, o mesmo embuste.
Salvação
Entre as grandes causas que levam Fernando Henrique Cardoso ao sacrifício de dar mais uma escapada de Brasília (antes que tenha de sentar em uma mesa, não de jantares e almoços festivos, mas de trabalho), está a possível assinatura de um acordo de cooperação militar entre Brasil e Argentina.
Com a crescente ameaça de invasão dos nossos países pelos zulus ou pelos esquimós, só esse acordo nos salvará. O tempo e o dinheiro já perdidos em discuti-lo e o muito a ser ainda perdido, na sua extravagância pelos anos vindouros, estão, pois, justificados.
Preferência
Fernando Henrique Cardoso comunica sua aversão a "apoio comprado". Continuará, portanto, valendo-se só de apoio vendido.
Outra preferência
O PT foi muitas vezes acusado de adotar a tese do quanto pior, melhor. É esquisito, porque o acusador Fernando Henrique não deve ser tão contrário àquela tese. Afinal de contas, Sérgio Motta parece gostar muito de ver a coisa preta.

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