São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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Pânico injustificado

LUÍS PAULO ROSENBERG

Em Nova York, nas conversas com banqueiros que atuam nos mercados emergentes, assusta o tom monocórdio de suas preocupações. Há um consenso generalizado de que o Brasil está rifando seu programa de estabilização, decorrente do seguinte encadeamento lógico:
1. o presidente está enfraquecido politicamente. Apesar de ter virado o jogo no Congresso, teve de pagar caro pelo apoio adquirido. Consequentemente, deteriorou-se ainda mais a situação fiscal da União;
2. o sistema bancário nacional está coberto pelo manto da desconfiança: além das trombadas do Econômico e do Nacional, a derrota federal no caso Banespa agravou-se com a divulgação do rombo implícito nas contas do Banco do Brasil. Afinal, perguntam os banqueiros, até onde irá a geração de déficit público, para pagar a conta do sistema bancário? Ou, em algum momento, o Proer virará história e um grande banco poderá explodir na cara de seus financiadores?;
3. crise bancária, fragilidade política e déficit fiscal crescente, eis a escalação dos "Cavaleiros do Apocalipse", que poderão decapitar o Real antes mesmo do final deste ano.
Esse raciocínio é um belo exemplo de como fatos isolados concretos podem ser somados de forma errônea, conduzindo a uma falsa conclusão. Realmente, o desempenho político de FHC, até a reversão da crise da CPI, foi abaixo da crítica: siderado na reeleição, vaidoso e arrogante, jamais teve a iniciativa de apresentar e defender perante a opinião pública um conjunto ousado de reformas estruturais; pior, permitiu que a incompetência da liderança política que o cerca produzisse uma crise com o Congresso extremamente nociva ao avanço até das reformas de meia-tigela que advoga.
Ademais, o descontrole fiscal de 1995, antecipado e criticado por todos que escrevem nesta coluna, foi um erro imperdoável, de alto custo social.
Finalmente, a atuação do Banco Central, na quebra dos bancos Econômico e Nacional, deixou muito a desejar, e o amadorismo de se divulgar o rombo do Banco do Brasil como se fosse apenas uma questão de transparência fiscal, e não de credibilidade no sistema, só é perdoável pela ansiedade da equipe econômica em fomentar a clareza naquilo que faz.
Então, por que os banqueiros estrangeiros estão errados, quando pessimistas em relação ao nosso futuro?
Em primeiro lugar, porque com este presidente e este Congresso, as pessoas de bom senso deveriam esperar lentidão na aprovação das reformas. O importante é que a situação da economia brasileira é tão sólida, seja nas contas externas, seja nos ganhos de produtividade do setor privado, que há pelo menos mais dois anos para completar-se o ciclo de mudanças sem o Real estourar.
Em segundo lugar, os rombos dos bancos revelam injustificáveis estoques de dívida pública, não novos fluxos de déficit fiscal. A diferença é relevante: se o governo estivesse emitindo hoje para cobrir o déficit do Banco do Brasil, a pressão inflacionária seria imediata; se está apenas reconhecendo um desacerto do passado, fica comprometida a capacidade futura de crescimento mais acelerado, via investimento público financiado por empréstimos; mas, no curto prazo, não há impacto inflacionário.
Em suma, as reformas precisam avançar sempre, mas não necessariamente acontecer já. O desatino fiscal de 95 está sendo revertido e o governo pode surpreender positivamente nessa área, se continuar peitando o funcionalismo público, os aposentados e os ministros generosos ou gastadores, mesmo que tenha de ceder um açude aqui ou uma diretoria da Telebrás ali, como recompensa do voto fisiológico (como se faz em Washington, lembra-se?).
Com as reformas fiscais avançando e a situação fiscal revertendo, sem agravamento da crise bancária, podemos até ter mais recessão do que o mínimo indispensável, mas a probabilidade de o Real desandar a curto prazo é negligível.

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