São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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Quando a 'virtu' de Maquiavel calça chuteiras

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, que o esporte é a manifestação mais exaltada da alma de uma sociedade, não há dúvida. Também não é novidade.
A novidade está na teoria do "rolando sozinho" ("bowling alone", que seria melhor traduzido por "jogando boliche sozinho", mas, nos EUA, jogar boliche tem um sentido comunitário que não corresponde no Brasil), desenvolvida por Robert Putnam, de Harvard.
Na verdade, a idéia vem de um livro publicado por Edward Banfield, no mesmo ano em que Garrincha, Didi e Pelé traziam da Suécia para o Brasil o primeiro caneco de ouro.
Baseado no conceito maquiavélico da "virtude cívica", Putnam mostrava que, na Itália do sul, a sociedade progredia menos do que na Itália do norte, entre outras coisas, por que o espírito comunitário, cultivado em pequenos clubes e associações, era mais fraco.
"Bom governo na Itália era um produto dos grupos de canto e do clubes de futebol", escreveu Banfield. Em suma, na sua visão, onde a Itália marchava melhor era onde o espírito comunitário dessas pequenas associações clubísticas, de diversas finalidades (incluindo a esportiva), estava mais desenvolvido.
Baseado no caso italiano, Robert Putnam diz que a "vibração da sociedade civil americana declinou notavelmente nas últimas décadas".
Razões para o fenômeno?
Entre outras coisas, por que entre 1980 e 1993 diminuiu em 40% o número de associações de jogadores de boliche, enquanto cresceu em 10% o número de jogadores individuais da modalidade.
Nas visões de Banfield e Putnam, quanto mais clubes e associações esportivas, maior o sentido de coletividade e, portanto, mais consistente o progresso em sociedade.
No número deste mês de abril da excelente revista "The Atlantic Monthly", Nicholas Lemann faz uma resenha das e discute as idéias dos dois.
Onde Lemann vai encontrar um exemplo para relativizar as idéias de Putnam sobre o declínio do espírito coletivo?
Justamente no seu, no meu, no nosso querido futebol. Não, não no futebol deles, o futebol de mão dos gringos. Mas, sim, no nosso futebol, no "soccer".
Nicholas Lemann lembra que, se, por um lado, diminuíram as ligas de boliche, por outro lado, no exemplo mais feliz que ele afirma ter encontrado, a U.S Youth Soccer abrange hoje 2,4 milhões de membros, quando abrangia 1,2 milhão há dez anos atrás e somente 127 mil, há duas décadas.
O que Lemann sugere é que, longe de declinar, a solidariedade americana está mudando o conteúdo de suas atividades e das suas ligas esportivas.
Ele mesmo faz uma confissão surpreendente: trabalhou como técnico de futebol na Youth Soccer e pode testemunhar o quanto ela envolve em incessantes encontros, chamadas telefônicas e atividades que se ramificam em outras áreas da comunidade (cá entre nós, é mais difícil juntar dois times de futebol amadores do que duas pessoas para jogar boliche, não é mesmo?).
Enfim, Joãozinho, como diria o Tio Dave, a liga de futebol serve para a América se autoconhecer. Agora, por aqui, com os clubes que temos, como mudar o nosso país?

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