São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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'Ihu' resgata o canto e a cultura indígena

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O songbook "Ihu - Todos os Sons", que será lançado hoje, reúne a transcrição de 17 canções de tribos indígenas brasileiras. A cantora e compositora Marlui Miranda recolheu letras e músicas e fez um duplo trabalho de tradução: transformou a fala indígena em palavra escrita e as melodias em pautas musicais.
Só esse trabalho já é suficiente para marcar a importância da publicação: registrar uma parte da cultura indígena ameaçada de desaparição. Os próprios índios temem perder a memória de suas lendas e canções -alguns chefes indígenas, com esse temor, já contrataram antropólogos para escrever rituais e lendas que até agora eram secretos e transmitidos apenas oralmente.
Assim, ao mesmo tempo em que dá, para o mundo branco, acesso à cultura musical nativa, Marlui garante aos próprios índios a permanência de parte de sua tradição.
Esse valor antropológico, etnográfico, não esgota os objetivos de "Ihu". Marlui acredita que seu trabalho poderá iniciar o processo de inserção da musicalidade indígena na música popular brasileira.
"Eu gostaria que essa base musical, pouco conhecida, fizesse parte de nosso cancioneiro de forma mais ampla, mais popular", diz Marlui. "São músicas com as quais você se emociona."
As músicas incluídas neste songbook já foram lançadas em CD por Marlui Miranda, em abril do ano passado. "Esta é apenas a primeira fase do trabalho. Eu tenho dezenas de outras canções já recolhidas", afirma a cantora.
O recolhimento começou em 1978, quando Marlui fez sua primeira viagem para tribos indígenas da Amazônia. Depois, nova viagem em 1981 e um ano de contato com índios nas filmagens de "Brincando nos Campos do Senhor", de Hector Babenco.
O contato direto permitiu a Marlui Miranda transformar o songbook em algo que ultrapassa o interesse apenas de músicos ou pesquisadores. Junto a cada canção, há uma introdução com informações sobre a cultura da tribo de onde foi retirada a canção.
Isso permite ao não-músico descobrir, por exemplo, que, para os caiapó, dar nome a alguém é muito mais do que uma designação aleatória. Trata-se de um ritual que pode durar vários meses e o "batismo" culmina em uma festa. Marlui recolheu a canção desse ritual final da nominação, "Bep".
O mesmo tipo de informação acompanha cada partitura: colheita da mandioca ("Kworo Kango"), primeira menstruação ("Hai Nai Hai"), preparo de remédios ("Yny Maj Hyrynh") ou mitos que lembram o dilúvio ("Ju Paraná") e a criação do homem ("Mekô Merewá") da tradição judaico-cristã.

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