São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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"Coração Valente" traz erros históricos

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Coração Valente", o grande vencedor do Oscar, é um bom exemplo de como "adaptar" a história para fazer um filme épico. Por "adaptar" também é possível entender "distorcer".
O filme narra a saga de Sir William Wallace, herói escocês da luta contra os ingleses na Idade Média. Wallace seria um sujeito indiferente a brigas políticas, até o momento em que os ingleses o forçam a tomar partido. Depois disso, ele entra em uma série de batalhas, e vence, até ser traído e executado pelo inimigo. Isso tudo é história.
Acostumado com a profusão de informações sobre um personagem do século 20, o espectador tende a achar que tudo é verdade. Mas tudo o que se sabe sobre Wallace antes da guerra com os ingleses está em um poema escocês.
Sabe-se que ele começou a história de lutas após matar um inglês. Que a briga tenha origens amorosas, como no filme, é especulação.
As batalhas são um ponto alto de "Coração Valente", notadamente pelo seu realismo. Mas as batalhas do filme não são versões fiéis. São uma mistura de várias.
A primeira grande vitória de Wallace, Stirling, em 1297, aconteceu em uma ponte. No filme, a batalha não tem nem ponte nem rio. É em campo aberto, e mostraria como as lanças escocesas teriam vencido os cavaleiros ingleses. Esse tipo de vitória só ocorreria depois.
Não há dúvida sobre a falta de apoio que Wallace teve por parte dos nobres. Isso foi uma das causas da derrota em Falkirk, como mostra o filme. A derrota se deveu principalmente aos arqueiros do rei inglês Eduardo 1º. Traição foi menos importante, embora seja útil para "explicar" a derrota.
Wallace morreu em 1305. Eduardo 1º morreu em 1307. A morte quase simultânea dos dois é licença poético-histórica.
Robert Bruce, o relutante nacionalista escocês que viraria rei, era de fato pouco confiável. Mas antes de vencer em Bannockburn, em 1314, como mostra o filme, foi derrotado em Methven, em 1306.
As batalhas adaptadas são menos importantes, porém, que a invenção do relacionamento amoroso entre Wallace e a princesa Isabella, esposa do príncipe Eduardo.
O príncipe era provavelmente homossexual, como mostram tanto o filme como as parcas informações históricas. Isabella teve um amante -Roger Mortimer.
Mas mais grave que detalhes dessas querelas dinásticas, ou de suas batalhas, é o anacronismo político. Wallace defendia a independência escocesa. Mas que o fizesse em nome do "povo", da "liberdade", é mero acréscimo politicamente correto dos anos 90. No século 13, e no começo do século 14, a norma era mais rasteira -"é dando que se recebe", seja porrada, sejam favores do rei.

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