São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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As reformas e a reeleição

CELSO PINTO

O ex-presidente José Sarney gastou parte de seu mandato buscando, de todas as formas, ganhar um quinto ano de poder. Cedeu, barganhou, deu para receber, até conseguir seu tempo extra em Brasília -gasto, melancolicamente, para deixar o país com uma inflação de 80% ao mês.
Barganhas políticas têm um custo, mas nenhuma delas custa tanto quanto a perpetuação no poder. Ou se tem um apoio popular extraordinário, ou o custo pode ser alto demais.
Carlos Menem fez seu plano econômico, uma ambiciosa reforma do Estado e depois foi buscar sua reeleição, na Argentina, montado numa popularidade difícil de resistir.
Fernando Henrique Cardoso também fez seu plano, também tornou-se popular, mas mal arranhou o programa de reformas do Estado que podem dar consistência à estabilização. Mesmo assim, deslanchou a disputa pela reeleição.
Horizonte nublado
Fernando Henrique entrou no seu segundo ano de mandato com a situação das contas públicas deteriorada e com muito mais ceticismo sobre sua capacidade de mudar o regime fiscal de forma permanente. A inflação continua muito baixa, mas o horizonte à frente está mais nublado.
Muitos esperavam que o presidente usasse o extraordinário cacife político acumulado na sua eleição para colocar na mesa as reformas mais complicadas e ousadas -deixando ao Congresso o ônus de, eventualmente, recusar ao presidente recém-eleito a aprovação do programa pelo qual foi escolhido pela maioria.
FHC buscou outra estratégia. Começou pelas reformas mais fáceis, na tentativa de acumular boas notícias e solidificar apoio político para a etapa das reformas mais difíceis. Tentou, além disso, levar ao plenário apenas aquilo que uma negociação prévia indicasse ser possível aprovar. Baixou as pretensões antes da briga no plenário, para evitar derrotas.
Reforma inútil
Passou pela primeira etapa, mas perdeu, com o tempo, cacife político. Quando chegaram as reformas realmente impopulares, o custo de aprová-las foi o que se viu no caso da Previdência: para dizer que levou, o governo mutilou suas idéias de tal forma que tornou a reforma virtualmente inútil.
Como reformas constitucionais precisam de três quintos dos votos, quanto mais desgastado o cacife político e mais impopulares as reformas, maiores têm de ser as concessões. Para manter a base unida, o governo, no fundo, tem que renunciar a ousar em áreas sensíveis -como a fiscal.
Se a essa maioria necessária para as reformas se somar a obsessão por uma maioria que garanta a reeleição, o espaço de manobra torna-se ainda menor. A reeleição foi posta na mesa no primeiro ano de mandato, por amigos e assessores do presidente.
Tornou-se, portanto, uma espécie de espectro presente em toda negociação com o Congresso.
O problema é que o plano não pode esperar a votação da reeleição. Alguns acham que não pode sequer esperar a votação das reformas.
O economista Rogério Werneck, professor da PUC do Rio, especialista no setor público e próximo da equipe que fez o Real, é um deles. Ele acha que o presidente deveria simplesmente colocar as reformas na prateleira e lutar por medidas que não dependem de mudanças constitucionais para acertar o passo da economia, reverter o quadro fiscal e retomar a iniciativa.
Quatro sugestões
Ele sugere quatro: não reajustar o funcionalismo, limitar o aumento do salário mínimo, fechar brechas nas finanças estaduais e acelerar a privatização.
Os salários do funcionalismo crescerão cerca de 15% neste ano, calcula Werneck, mesmo sem qualquer aumento (porque a folha incide sobre valores mais altos e por crescimento vegetativo). Se a inflação for de 15%, não reajustar significa, apenas, não agravar a situação. No caso do mínimo, o problema é o impacto nas contas da Previdência, uma das quatro maiores fontes de pressão fiscal.
Werneck define como brechas estaduais a possibilidade de acúmulos de atrasos no setor elétrico (cerca de R$ 3 bilhões, liderados por São Paulo) e com fornecedores. Para a privatização, sugere decolar a venda da Vale e acelerar a regulação dos setores elétrico e de telecomunicações.
Medidas como esta, somadas à fixação de metas para o déficit público, poderiam restaurar a credibilidade da trajetória fiscal, diz ele. No próximo ano, o governo poderia retirar da prateleira reformas revigoradas e ir à luta.
Pode-se concordar ou não com as propostas de Werneck, mas o fato é que, se o governo confiar em construir sua credibilidade fiscal em cima de reformas mutiladas, poderá complicar sua vida. O risco é ceder tanto que, se acabar levando a reeleição, poderá correr o risco de não ser reeleito.

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