São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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Fomentando a polêmica

SANDRA STARLING

Artigo recentemente publicado pelo ministro Paulo Paiva nesta página de "Tendências/Debates" da Folha apresentou ao país os primeiros contornos do projeto de lei pelo qual o governo pretende ampliar as hipóteses de contratação de empregados por prazo determinado.
Desde logo, parece-nos preocupante o fato de o governo apresentar uma proposta que tenha por objetivo "fomentar o emprego", voltando-se para a geração futura de postos de trabalho, sem enfrentar o grave problema de manutenção dos empregos existentes.
Para isso, o governo se assemelha ao avestruz, fingindo que não existe polêmica alguma quanto ao direito dos trabalhadores à proteção contra a dispensa imotivada. Em outras palavras, o governo faz "ouvidos de mercador" quando se trata de se pronunciar sobre a aplicabilidade de regras sobre a garantia contra demissões sem justa causa, evitando manifestar-se sobre a eficácia da Convenção 158 da OIT, já ratificada pelo Brasil.
Além disso, o desemprego estrutural é encarado como algo inevitável, apesar de a Constituição também prever a proteção do trabalhador em face da automação (art. 7º, inciso XXVII).
Não bastasse isso, tem-se, nas palavras do próprio ministro do Trabalho, que a proposta é insuficiente para atender a quantidade de empregos necessários à atual realidade nacional.
A revelação é preocupante. Como preocupante é constatar que o setor da construção civil, um dos que mais se beneficiará com a novidade e onde o "turn over" da mão-de-obra já é elevadíssimo (ali raramente o trabalhador fica mais de um ano no mesmo emprego), poderá valer-se da redução da alíquota do FGTS de 8% para 2%.
Ocorre que, sendo esse o setor que mais se beneficia dos recursos do Fundo, a idéia de menos contribuir para uma fonte essencial para o dinamismo de tal segmento industrial é injusta em relação à participação contributiva dos demais setores empresariais, resultando isso em dissimulada apropriação privada de recursos públicos.
Ademais, a consequência é socialmente perversa para com centenas de milhares de serventes e pedreiros que não podem dispensar o FGTS para prover a própria subsistência e de suas famílias, entre um emprego e outro.
Para as mulheres o novo contrato representará o esfacelamento da garantia de emprego em razão de maternidade, pois a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho já está pacificada no sentido de não se reconhecer a estabilidade provisória da gestante quando esta tiver sido contratada por prazo determinado.
Ou seja, se a mulher precisar trabalhar, que esqueça qualquer veleidade quanto a ser mãe. Se quiser ser mãe, que se conforme em viver com o umbigo encostado no tanque ou no fogão.
Ninguém, em sã consciência, poderá achar que isso faça parte de qualquer projeto de modernização das relações de trabalho. Ao contrário, isso servirá de fator de exclusão da força de trabalho feminina, o que, diga-se de passagem, viola o direito social de proteção do mercado de trabalho da mulher, previsto no inciso XX do art. 7º da Constituição.
De fato, como disse o ministro Paulo Paiva, a proposta precisa ser aprimorada pelo Poder Legislativo. E muito.
Para isso é fundamental que o governo dialogue com seriedade com as forças políticas representadas no Congresso sobre a questão do desemprego.
Duvidamos que, em tempo de ameaça de supressão dos destaques de votação em separado do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a lógica do entendimento prevaleça. A palavra de ordem é tratorar, e não negociar.
Evidentemente o episódio da Previdência não pode ser tomado como parâmetro do que possa ser um diálogo franco, sincero e construtivo para o Brasil, pois, ao cabo, como assinalou o presidente da CUT, "o que aconteceu ali não foi uma negociação, mas uma negociata".

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