São Paulo, sábado, 6 de abril de 1996
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Assista 'O Mambembe' pelos novos comediantes

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Mambembe" comprova, ainda uma vez, que não faltam intérpretes de qualidade, de talento voltado para o teatro musical no Brasil. Podem faltar autores, podem faltar compositores, sobretudo, mas comediantes, naquele sentido que os antigos davam à palavra, não.
Tome-se Zezé Barbosa, antes vista em "Ifigônia" e agora reunida ao elenco de pequenos grandes vultos da cena cômica de São Paulo. Com um tipo que para o meio da primeira parte da peça já se perde, desaparece sem destino, ela cria a personagem mais destacada.
O sotaque, a pronúncia errada, a esperteza com traços de uma ingenuidade quase infantil fazem de sua Divina, nome da personagem, adaptada de Malaquias, do original, fascinante.
O espectador quer que ela continue em cena, não saia, fique mais, ainda que apenas com as caretas de desafio e os olhares de enfado ao fundo da cena, mas ela desaparece e a peça cai.
Outra comediante, como ela, é Roseli Silva -antes vista, no que foi uma das atuações mais hilariantes de anos recentes, em São Paulo, na versão da comédia clássica "Lisístrata".
Roseli Silva é a protagonista, fazendo o papel de Laudelina, por sua vez, também a protagonista da companhia-dentro-da-companhia. Não atinge os altos que conseguia com Aristófanes, até porque a sua personagem surge muito contida pela trama e pela direção, deixando pouco para o histrionismo, mas está bem.
E na verdade ela nem precisa esforçar-se muito além da composição regular da personagem -o restante o nariz, os seus grandes olhos, um alcance de feições as mais estapafúrdias garante. E ela ainda canta.
Outro comediante, Paulo Ivo, chega a lembrar o legendário Jaime Costa, das fotos e das descrições que ficaram dos anos 40 -aquelas, bem sabido, anteriores à entrada em cena da geração crítica seguinte, que procurou sufocar e acabou por entristecer todos os velhos comediantes.
Paulo Ivo, pouco antes visto em "As Beldades de 95", uma revista teatral nada folclórica, nada museológica, irresponsável como uma revista deve ser, tem a voz mais possante e a presença mais agressiva no palco.
Podia estar mais engraçado, como foi como uma das "beldades" do ano passado, mas é o preço, mais uma vez, da direção sobreposta à interpretação -e também do fato de fazer o que "O Mambembe" tem de mais próximo a um narrador, na personagem do produtor Frazão.
Por fim, para concentrar em apenas quatro dos atores de "O Mambembe", Walter Breda. É o veterano do grupo e já conheceu dias melhores, na comédia.
Mas seu humor coreografado, de grande domínio da gestualização e das feições, nada realista, marcadamente pessoal, a ecoar Groucho Marx e os humoristas da Broadway dos anos 20 -ou Oscarito e os humoristas do Rio dos anos 30- é talvez o que mais perdure na memória do público.
Mas "O Mambembe", com comediantes assim e tantos outros de igual qualidade que não chegam a ter as mesmas chances, casos de Angela Dip, Raul Barreto, Lavínia Pannunzio, não é um espetáculo de atores, não é sequer um espetáculo de autor.
Arthur Azevedo escreveu, já quase um século atrás, no fim de uma bela carreira, o que se costuma qualificar de uma obra universal. "O Mambembe" é um generoso tributo ao teatro, como há poucos na história.
Gabriel Villela alterou a peça na direção inversa e fez dele uma obra provinciana. Carregada de "inside jokes", piadas internas, desrespeitosa do público, em prejuízo da grandeza de Azevedo, sem liberdade para os atores.
O teatro não é paroquial, não é ação de amigos, para amigos, como é a tônica de tantas décadas, no teatro de São Paulo.
Mas não vale a pena encerrar por tal caminho, já que os comediantes recolhidos de outras companhias, de belas carreiras, como Artur Azevedo, bem comprovam que não é assim, o teatro.

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