São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pioneiras do orgasmo viram donas-de-casa

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Elas foram campeãs de audiência em outros tempos, quando apresentavam os primeiros programas femininos da TV: falavam de moda, beleza, saúde, comportamento e ensinavam receitas.
A última receita caseira que essas mulheres experimentaram parece ter sido um chá de sumiço: o que teria acontecido à Xênia Bier, Maria Thereza Gregori, Marisa Raja Gabaglia e Clarice Amaral?
"As pessoas dizem até que eu fiquei louca", diverte-se Xênia, 60, que durante 29 anos apresentou o "Xênia e Você". "Um dia, há oito anos, eu terminei o meu quadro, olhei para os lados e me perguntei: 'O que eu estou fazendo aqui?"'.
Ela saiu "sem dar satisfação a ninguém" e justifica com um discurso que poderia ser pauta de seu programa. "O meu público se transformou e eu não sei se tenho simpatia pela mulher de hoje" (leia depoimento ao lado).
O retiro de Xênia coincidiu com a morte da mãe dela, com quem vivia. "Me senti desprotegida e percebi que aquela era a hora de ir para casa", lembra.
Ela vive de aposentadoria (R$ 1.400 por mês), com a filha adotiva de 24 anos, em um apartamento nos Jardins. "Virei dona de casa."
Xênia se afastou por conta própria, mas com as colegas não foi bem assim. "Fui embora quando o Walter Clark chegou na Bandeirantes para fazer uma revolução na programação", diz Maria Thereza Gregori, 70, que estreou sua "Revista Feminina" ao vivo, em 1958."O programa que substituiu o meu saiu do ar em um mês."
Ela apresentou o 'Revista Feminina' durante 24 anos, diariamente, de 13h às 14h30. "Lancei gente como Denner, Ricardo Amaral e Juca Chaves, falei mal do Jânio Quadros e organizei um mercado das pulgas frequentado por cem mil mulheres", lembra.
"Tudo o que veio depois em termos de programas femininos foi uma cópia ruim da 'revista"', afirma Maria Thereza, que hoje comanda uma malharia caseira.
Casada, com dois filhos, ela recebe um salário mínimo de aposentadoria e diz depender do marido. "Sofri muito quando saí do ar. Achei injusto", diz.
A palavra injustiça sempre surge na conversa com essas mulheres. "Fui repórter especial a vida inteira e, agora, vivo no esquecimento", diz Marisa Raja Gabaglia, 55, que apresentou o telejornal "Hoje", escreveu para "O Globo" e "Última Hora".
Depois ela trabalhou no "TV Mulher" e acabou afastada, quando seu último namorado, o médico Hosmany Ramos, foi preso por crimes diversos. "Ninguém me dava emprego. Vendi até faqueiro de prata para sobreviver."
Ficou assim cinco anos, até que J. Silvestre a chamou para escrever um quadro de seu programa. Hoje, assina uma coluna no "Diário Popular". "Acho ótimo que as mulheres de agora possam ser livres para escolher o próprio destino, sem sofrer o que eu sofri."
A mineira Clarice Amaral não sentiu mágoa quando foi demitida do programa "Clarice Amaral em Desfile", que apresentou diariamente entre 1970 e 1980. "O cansaço de produzir, dirigir e apresentar era tanto, que eu não consegui sentir mais nada."
Mesmo assim, ela arrisca um motivo nada imparcial para justificar a demissão. "O diretor se engraçou com uma outra moça e a colocou no meu lugar", diz.
Clarice, que era "Madrinha da Rota" e passou a apresentar um programa no rádio, se apaixonou por um segurança que foi trabalhar em sua casa depois de um assalto. Comprou um sítio em Cunha (SP) e os dois vivem lá. "Não tenho saudade nenhuma da TV."

Texto Anterior: Piranhão abriga preso perigoso
Próximo Texto: DEPOIMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.