São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

É o fim da burrice?

CAIO TÚLIO COSTA

A televisão é burra. Instrumento de tiranos, perpetua a arquitetura do senhor-escravo porque impede a interação. Isso vai acabar. A sua era está encerrada, embora ela não deva desaparecer assim de imediato porque seu cadáver subsistirá nas salas por muitos anos. Mas seus dias estão contados.
Essas são idéias básicas de George Gilder, consultor de empresas, especialista em tecnologia da comunicação. Esteve no Brasil mês passado dando palestras. As teorias de Gilder sobre a vida depois do fim da televisão, a vida com o "teleputer" (telecomputer ou telecomputador) estão em seu livro lançado em 1990 nos EUA e agora atualizado e editado em português pela Ediouro (192 págs. R$ 15). Traz o título original: "A Vida Após a Televisão".
Para Gilder, a televisão acentua apenas a cultura de massa e é, em sua essência, um meio de comunicação totalitário. Ele explica: os sinais dela "originam-se em uma única estação e são enviadas de cima para baixo para as massas". Assim, "tiranos por toda a parte empurram aparelhos de TV para seus povos".
O mais ardoroso exemplo Gilder retira da finada URSS. Ali existiam 306 televisores para cada grupo de 1.000 pessoas, enquanto havia apenas 1 telefone para cada grupo de 3 televisores e 1 computador para cada grupo de 306 televisores. Se a quantidade de telefones e computadores por pessoa era ínfima, a quantidade de aparelhos de TV era comparável à da Europa Ocidental.
O fato de existirem mais de 500 emissoras a cabo, ou por assinatura, nos EUA, além das grandes redes, não move Gilder de sua idéia fixa. A TV vai acabar porque proíbe a interatividade, é uma via de mão única e as pessoas precisam de algo menos massificado e mais criativo. Todos estariam cansados de apenas receber imagens e sons sem ter nenhum poder sobre ambos.
Um dos exemplos de Gilder para alicerçar suas convicções é o fato de um empresário esperto como Bill Gates ter-se recusado a entrar no ramo da televisão. Gilder desencava declaração dada por Gates em 1985: "A televisão é um entretenimento passivo. Estamos apostando que as pessoas querem interagir, escolher caminhos diferentes e obter feedback da máquina sobre o que realmente aprenderam." Gates não estaria interessado no negócio da TV porque não precisaria dela. Controla um veículo bem mais poderoso. No ano passado, por exemplo, foram vendidos mais computadores do que aparelhos de TV nos EUA.
É evidente que o desenvolvimento da tecnologia, em pouco tempo, vai unir televisão, telefone e computador numa única máquina. Assim, a possibilidade da escolha, no sentido de cada ser humano poder se desvencilhar das emissões idiotizantes, é componente certo do futuro. Mas, isso sim, só se a demanda pela passividade acabar. Enquanto existir o desejo pela passividade, é muito difícil concordar com Gilder.
A tirania da passividade, na televisão, não existe apenas no caminho único do sinal da TV percorrendo o ar. Existe enquanto sobreviver a ponta passiva -tecnológica também, mas, antes de tudo, humana. E não seria a simples existência do computador interativo que daria fim a isto. Por essas e outras é bom olhar com reservas profetas como Gilder.
A burrice dos homens passivos é muito mais forte do que os tecnólogos podem supor. Enquanto existir a burrice, portanto, vai existir a televisão da maneira como a conhecemos e a fez vencer.

Ilustração: "Penetrável", Jesús Soto, 1983

Texto Anterior: eles só usam black power
Próximo Texto: Canadá se instala em São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.