São Paulo, segunda-feira, 8 de abril de 1996
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Barcelona quer ser porta de entrada de latino-americanos

LUIZ ANTONIO CINTRA
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

O economista Francesc Santacana, 53, comanda desde 88 o projeto de planejamento urbano estratégico da cidade de Barcelona, na Espanha. Ele defende que a cidade se torne porta de entrada para os países latino-americanos se firmarem no mercado europeu.
"Barcelona tem tudo para ser um grande centro comercial, de informações e de exposições para os produtos latino-americanos", diz o economista.
A idéia ainda está em discussão no comitê dirigido por Santacana, que dá sugestões para o desenvolvimento da cidade, já que o poder executivo está a cargo da administração municipal.
O comitê é formado por 200 entidades -do clube de futebol Barcelona a centrais sindicais, passando pela Igreja Católica, a Câmara de Comércio de Barcelona e a própria prefeitura da cidade.
"Mas não damos apenas sugestões. Fazemos lobby, pressão, para que nossos projetos sejam postos em prática pelos responsáveis pela administração da cidade", diz.
Santacana é também o secretário-geral do Cideu (Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano), associação sem fins lucrativos que reúne hoje 44 cidades de 17 países com o objetivo de discutir soluções para o desenvolvimento urbano. No Brasil, Salvador e Rio de Janeiro preparam projetos com o Cideu, tendo o de Barcelona como inspiração.
No último dia 29, durante a 4ª Conferência do Cideu em Salvador (BA), Santacana deu uma entrevista à Folha. Leia os principais trechos a seguir.
*
Folha - Como começou a experiência de planejamento estratégico em Barcelona?
Francesc Santacana - Começamos em 88. Mas a primeira experiência no mundo ocorreu em San Francisco (EUA), em 1981, 82. Tomamos a idéia emprestada. Em Barcelona foi iniciativa da administração municipal, quando o prefeito era Narcis Serra, o primeiro prefeito eleito democraticamente na cidade.
Folha - Quando o sr. se envolveu no projeto, também participava da administração municipal?
Santacana - Não, fui contratado em 88 para dirigir o comitê. O primeiro plano foi aprovado em 90. Depois em 92 começamos a reavaliá-lo e no final de 1993 se aprova o segundo plano.
Folha - O sr. poderia dar detalhes destes dois planos?
Santacana - No primeiro, se pretendia que Barcelona se consolidasse como uma metrópole européia, com uma dinâmica econômica importante. Isso foi feito basicamente com grandes investimentos em comunicações e em transporte. A cidade precisava se preparar para as Olimpíadas de 92, o que motivou muito os empresários, que viram ali uma grande oportunidade para ter lucros mais tarde. A grande preocupação era que a sociedade de Barcelona não caísse em depressão no dia seguinte às Olimpíadas.
Folha - Quanto foi investido nesta ocasião?
Santacana - Os investimentos para preparar a cidade para a Olimpíada foram de aproximadamente US$ 1 bilhão. Deste total, o governo federal participou com cerca de um terço, logo no início dos investimentos. Mas os empresários também investiram porque perceberam logo que seria uma grande oportunidade para ter lucro mais tarde.
Folha - E no segundo plano?
Santacana - No segundo plano o objetivo era o de estimular os empresários a ter uma maior presença nos mercados internacionais. A idéia é a seguinte: no primeiro plano arrumamos a cidade, que estava muito mal cuidada. No segundo mostramos aos cidadãos que Barcelona era então uma cidade nova, que estava já muito bem.
Por isso os empresários precisavam tirar proveito disso. A nossa intenção era estabelecer prioridades para os investimentos. Por exemplo, em Barcelona tínhamos um problema de transporte.
Na cidade existiam cinco empresas de ônibus, cada uma com uma tarifa diferente, com diferentes formas de administração e diferentes políticas de investimento.
Para Barcelona era muito importante que tivéssemos uma unificação de critérios. Criamos então um órgão que foi encarregado de gerir o transporte na cidade.
Folha - Quem participa dos planos estratégicos de Barcelona?
Santacana - Há um comitê executivo e um geral. No executivo estão representados a prefeitura, a Câmara de Comércio de Barcelona, a associação de empresários, as duas principais centrais sindicais da cidade, a universidade, o porto, a zona franca e um representante dos distritos da área metropolitana. Estes são meus chefes diretos.
Além deles, há um conselho geral, encarregado de aprovar o plano. Hoje este comitê é composto por quase 200 entidades de Barcelona, das mais variadas áreas.
Participam desde o clube de futebol Barcelona até a ópera, a igreja, passando por bancos, empresas e associações empresariais.
As decisões são tomadas por votação, mas não somos fascistas a ponto de levar adiante algo só porque a maioria decide. Os agentes participam diretamente do plano, por isso o consenso é mais fácil. A cada quatro ou cinco meses o comitê se reúne e todos têm a chance de dar sugestões.
Folha - Mas estes dois comitês têm poder executivo?
Santacana - Não, eles não têm nenhum poder executivo. O que fazemos é dar sugestões à administração municipal. Mas também fazemos lobby, pressão, junto àqueles que têm poder executivo.
Folha - Além do transporte coletivo, o sr. poderia dar outro exemplo do que já foi feito?
Santacana - Em Barcelona havia um projeto para fazer um centro comercial forte na cidade, um "downtown", como em outras cidades européias. Porém os sindicatos argumentaram que um centro forte traria vários problemas, principalmente no trânsito. Daí conseguimos alterar o projeto e criamos 12 "centros" menores.
Folha - Que recursos foram usados para financiar as obras?
Santacana - Na Europa existem vários tipos de fundos. Barcelona pode usar alguns deles. Usamos principalmente para financiar projetos de infra-estrutura.
Folha - Qual o próximo passo que deve ser dado no planejamento estratégico de Barcelona?
Santacana - A cidade agora está com boa saúde econômica. O que falta é criar uma identidade que a diferencie de outras metrópoles. O próximo plano deveria tornar Barcelona uma porta de entrada para os produtos latino-americanos. Essa é uma idéia em discussão no comitê. A cidade poderia ser um grande centro comercial para a entrada destes países no mercado europeu. Poderia funcionar como um centro de informações, de exposições. Eu defendo a idéia, mas ela ainda precisa ser votada.

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