São Paulo, segunda-feira, 8 de abril de 1996
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É possível ter um Estado desenvolvimentista?

JOÃO SAYAD

Tudo depende de tudo. Os americanos acreditavam que, se o Vietnã caísse nas mãos dos comunistas, todo o Sudeste da Ásia se tornaria comunista devido ao efeito dominó. Mas esses países se tornaram paradigmas da globalização e do capitalismo. A sobrevivência dos micos-leões dourados do Brasil pode depender dos aerosóis emitidos em Los Angeles. Por onde começar?
Os pastores de todas as religiões propõem sempre começar pela alma dos homens -amai-vos uns aos outros. Embora a alma humana seja a peça mais difícil de ser movida, e com resultados igualmente imprevisíveis, se pensarmos na Grande Inquisição e nas Cruzadas.
A angústia e a coragem do homem de ação se concentram em descobrir que uma peça do dominó derruba todas as outras. Qual peça pode ser mexida e quais os efeitos finais do primeiro movimento? O que é variável e o que é constante? O que é um fato irremovível e quais são os limites que o mundo coloca à nossa vontade?
A pergunta me ocorre pela proposta de Dornbusch de que devemos ter um plano nacional de desenvolvimento para o país. Será que é possível ter um plano nacional de desenvolvimento nos tempos correntes?
O professor José Luis Fiori já respondeu que não é possível recriar o Estado fordista nos anos correntes, particularmente no Brasil. Nunca tivemos. Agora, mais difícil ainda.
Poderíamos recriar o Estado desenvolvimentista com um plano nacional de desenvolvimento e tudo? Será que a proposta é viável e afetará as outras peças do dominó, fazendo o país crescer mais depressa e, especialmente, diminuindo as seculares características de concentração de renda de outras épocas? Será que essa é a peça certa do jogo de dominó?
Só Deus sabe. Nós podemos apenas pensar.
1) O mercado financeiro brasileiro e mundial, nos dias de hoje, é marcado pela conversibilidade e mobilidade. Não é mais possível utilizar subsídios de taxas de juros ou alocação compulsória de créditos, sob o risco de os capitais voarem para outras paragens, particularmente se não for através de um plano nacional de desenvolvimento. Mas é possível fazer outras coisas -reduzir o risco de investimentos prioritários, oferecer crédito mais longo para setores e atividades considerados prioritários. O BNDES tem talentos e experiência para fazer isso.
2) O governo não tem poupança fiscal para oferecer subsídios a setores, atividades ou empresas, embora tenha gasto 22 bilhões de dólares em juros muito altos durante o ano de 1995. Novamente, o governo tem menos margem de manobra do que nos anos 60 e 70, mas ainda é possível. Veja o incentivo dado à produção de carros populares no governo de Itamar Franco e o impacto sobre a indústria brasileira.
3) Tarifas aduaneiras e proteção comercial não podem mais ser utilizadas para incentivar a indústria na conjuntura atual, marcada por liberalização de comércio e retaliação para os desobedientes. Mas isso não impede a criação de uma administração da abertura que impeça o "dumping", que promova e defenda as exportações brasileiras no exterior. É a coordenação de investimentos e a ação para vários setores industriais, como propostas nos estudos do professor Luciano Coutinho.
4) Para a pobreza, a tarefa é muito mais difícil. Não existe experiência internacional copiável, e os pobres são por definição desorganizados. Mas algumas tarefas já estão postas como desafio -o assentamento dos sem-terra, a proteção à criança, o programa de garantia de renda mínima.
5) A questão urbana e regional requer planejamento, investimento público e intervenção governamental. Não temos a disposição intelectual e política para ver o caos metropolitano e a megalópole que já se torna adolescente no eixo Rio-São Paulo.
6) Na área de educação -de todos os níveis, do primário ao superior, da pesquisa ao desenvolvimento tecnológico-, temos um longo caminho a percorrer. É uma questão pública, ou seja, de planos nacionais de desenvolvimento.
A nova realidade fiscal e financeira não é obstáculo intransponível.
Será que o verdadeiro obstáculo à vontade de ter um plano nacional de desenvolvimento é a falta de vontade? Ou, pior ainda, a falta de plano? O governo e a opinião empresarial vêem como sua tarefa apenas as reformas constitucionais que "preparariam" o país para investimentos coordenados apenas pelo mercado. Segundo a maioria, chegou a hora e a vez dos investimentos privados, determinados apenas pelo mercado.
Confesso que não acredito nessa alternativa -inédita na história do desenvolvimento de um país- em que muitos empresários ficam eufóricos com a entrada de investidores estrangeiros, que vêm comprar seus negócios.

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