São Paulo, segunda-feira, 8 de abril de 1996
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O maniqueísmo dos anos 70

LUÍS NASSIF

Os anos 70 legaram uma pesada herança cultural ao país. Os acertos de gabinete, a falta de informações estimulando visões conspiratórias, as conspirações propriamente ditas, o paternalismo e o desperdício que caracterizavam os subsídios oficiais, tudo isso contribuiu para uma visão equivocada de mercado e para o acúmulo de distorções que acabaram conduzindo à grande crise dos anos 80.
Algumas vezes as medidas eram corretas. Outras, equivocadas. Mas isso pouco importava.
Na visão dos que combatiam a ditadura, tudo estava no mesmo balaio, das medidas antinacionais, anti-sociais e perniciosas.
É difícil explicar como, fazendo tudo errado, o país tenha crescido no período.
Na visão dos oficialistas, todas as medidas eram cientificamente planejadas, visando construir um grande país.
É igualmente surpreendente que, fazendo tudo certo, o país acabasse desembocando na grande crise econômica dos anos 80.
Atitudes
Após os primeiros anos de democratização, essa visão maniqueísta se diluiu um pouco.
Gradativamente, a imprensa passou a entender que não caberia a ela tomar partido político como em outros tempos. Cabe-lhe julgar atitudes, não governos.
Não existe governo que faça tudo certo, assim como não existe governo que sempre erra.
Ao julgar governos, a imprensa se partidariza e não exerce nenhum papel transformador. Ou é sistematicamente contra ou sistematicamente a favor, pouco importando a análise do mérito.
Ao analisar atitudes, a imprensa desempenha um papel de correção de rumos.
Elogiando o que considera correto, estimula o governo a caminhar na direção proposta. Criticando o que considera errado, impõe resistências ao prosseguimento no erro.
Antieconomia
Da democratização para cá, avançou-se muito. Mas há vários fantasmas dos anos 70 que não foram suficientemente exorcizados.
Como reação ao tecnocratismo e paternalismo dos anos 70, sedimentou-se em muitos setores a generalização de que toda demanda econômica é, por princípio, ilegítima.
Por trás dessa simplificação está, de um lado, a dificuldade de se entender adequadamente o funcionamento da economia e dos diversos setores, para separar reclamos legítimos dos ilegítimos.
É relevante para o país um setor financeiro forte, um funcionalismo bem remunerado, uma agroindústria geradora de divisas e de emprego, uma indústria pujante e moderna, uma indústria de fundos de pensão que ajude a financiar o investimento.
Se se tem um setor financeiro que não atende às necessidades de crédito, um funcionalismo que não trabalha adequadamente, uma agroindústria que depende de subsídios, uma indústria pouco competitiva ou uma indústria de fundos pouco controlada, qual é o caminho? Destruir os setores em questão? Ou discutir mecanismos que induzam à sua modernização, permitindo aos mais capazes e determinados sobreviver?
Critérios
Não se pode voltar à superproteção de outros tempos. Mas também não se pode defender a terra arrasada.
A análise do meio termo exige isenção e discussão técnica, matéria-prima rara nos dias atuais.
Em lugar disso, prefere-se a demonização. Todo funcionário público é preguiçoso, todo usineiro é caloteiro, todo banqueiro é ladrão, todo fundo de pensão é corrupto.
De um lado, porque muitos setores econômicos ainda continuam sem entender sua responsabilidade de subsidiar a opinião pública com informações.
De outro, porque o maniqueísmo é acessível a todos, e a letra impressa tem solenidade toda própria.
Qualquer declaração inconsequente, embasada em meia dúzia de números estapafúrdios, ganha foro de verdade, quando é apresentada em letra impressa.
Gordo e magro
Um dos clássicos da famosa dupla cômica do cinema, o Gordo e o Magro, mostrava o Magro em uma trincheira aguardando o inimigo dez anos depois do fim da guerra -porque ninguém lhe comunicou oficialmente que a guerra terminara.
12 meses depois do início dessa política monetária recessiva, com os índices do PIB registrando queda e a quebradeira comendo solta, ainda há figuras que não foram informadas por suas fontes oficiais de que a bonança já acabou.

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