São Paulo, segunda-feira, 8 de abril de 1996
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Todos os sacos dos presidentes e presidenciáveis

FERNANDO GABEIRA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Foi covardia e não "cojones".
Quando a representante dos Estados Unidos na ONU disse esta frase, sobre a derrubada de um avião em Cuba, introduziu a palavra "cojones", pela primeira vez, no vocabulário diplomático mundial.
A frase continha uma espécie de ironia sobre o peso da palavra, mas ainda era ambivalente. Se não houvesse covardia, então poderia haver sim "cojones", seu oposto simétrico. O desabafo norte-americano continha, no mínimo, essa mensagem: onde há covardia, não há "cojones".
Sabemos todos que as coisas não são bem assim, que é extremamente perigoso atribuir uma qualidade intrínseca a uma peça de anatomia, ausente no corpo de milhões de seres humanos.
Os latino-americanos têm essa mística de "cojones", sobretudo porque em vários momentos históricos tiveram que se rebelar contra ditaduras sanguinárias e talvez precisassem não só valorizar a coragem mas supersimplificá-la numa só palavra: "cojones".
Nas minhas observações, que não chegam a ser especializadas, constato que a palavra saco em português acabou desenhando uma trajetória diferente de "cojones". Em vez de expressar destemor, ela tende a substituir a idéia de tolerância, paciência. "Não sei como você ainda tem saco para ouvir discursos", ou então: "Se tiver saco vou tentar ler aquele relatório até o final".
A própria expressão pé no saco não funciona para dar idéia da dor física que ela traria, se fosse tomada ao pé da letra. "Pé no saco" significa algo muito chato, que alcança os limites de nossa tolerância.
Foi o presidente Collor que introduziu a palavra no vocabulário político brasileiro. Ele tinha o saco roxo, ou pelo menos gostaria que o vissem como alguém que tinha o saco roxo. Era mais um elemento a se analisar no universo de propostas políticas: hinos, bandeiras, símbolos, programas, slogans e, num nível de importância razoável, a cor do saco do presidente.
Dizem que Collor trouxe essa expressão da cultura nordestina. Não me lembro disto, na infância em Minas. Havia uma grande preocupação com o saco do recém-nascido, quando uma das bolas era mais caída que a outra. Quebradura chamava-se este desnível, que só era reparado com uma pequena operação.
O saco voltava ao centro das atenções se houvesse caxumba, uma inflamação nas glândulas que ficam um pouco abaixo do ouvido, as parótidas. Se a caxumba desse em menino, a pergunta era inevitável: "Já desceu, quando vai descer?".
Menos ofensivos que a caxumba, havia os carrapatos e outros insetos, que acabaram por aproximar a expressão saco da idéia de paciência, tolerância.
O ministro Sérgio Motta recolocou a cor do saco do presidente entre os símbolos políticos dignos da análise no Brasil. Digo isto sem nenhum juízo de valor. Na China, os correspondentes tinham de se apoiar em tudo para entender a conjuntura, até na posição que os protagonistas ocupavam no palanque. Se alguém, por exemplo, que sempre esteve a cinco metros do secretário geral passava a estar a apenas quatro metros, isto significava ascendência aos olhos do partido comunista.
Collor tinha o saco roxo. FHC, na visão de Motta, tem o saco preto. Transitamos de uma cor para outra. Essa gradação talvez não tenha base em feitos reais. FHC teria bloqueado os bens dos próprios netos. Collor bloqueou os bens de todo o mundo, excetuando seu pequeno grupo mafioso.
A passagem do roxo para o preto lembra um pouco aqueles trens italianos, rápido, muito rápido, rapidíssimo, todos, no entanto, chegando atrasados ao seu objetivo.
Não se trata de questionar a cor do saco de nenhum presidente. Mas sim de sugerir a necessidade de uma convenção sobre o peso das cores, caso venhamos mesmo a usar o saco como uma referência de poder.
No trânsito temos sinal verde, amarelo e vermelho, com definições muito claras de seu papel. As eleições brasileiras em breve estarão informatizadas. Será possível ver a foto do candidato, seu nome, no venhamos mesmo a usar o saco comL

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