São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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Novos buracos pressionam dívida recorde

CELSO PINTO

A dívida mobiliária federal, ou seja, em títulos do governo, já é recorde histórico e deverá crescer pelo menos R$ 15 bilhões, nos próximos meses, em função de buracos como os do Banco do Brasil, Banespa, Proer, agricultores e dívida da Prefeitura de São Paulo.
O ponto mais alto da dívida mobiliária, antes do Plano Real, foi no final do governo Sarney, quando ela chegou a 13,2% do Produto Interno Bruto (PIB). A consequência foi o calote embutido no Plano Collor, em março de 1989.
Hoje a dívida mobiliária já atingiu 19% do PIB, em fevereiro, último dado disponível. Isso considerando toda a dívida mobiliária fora do Banco Central, que chegou a R$ 127 bilhões.
O BC faz uma contabilidade diferente, mas discutível. Ele exclui do total da dívida mobiliária uma parcela de R$ 27 bilhões que são de títulos federais emitidos em troca de títulos estaduais. Mesmo aceitando esse critério, a dívida mobiliária é recorde, equivalente a 15% do PIB.
É discutível excluir essa parcela, porque ninguém imagina que os Estados vão, de fato, honrar essa dívida. Por essa razão, vários economistas, como Bernard Appy, consideram a dívida mobiliária total.
O fato de a dívida mobiliária ser recorde não quer dizer, necessariamente, que a história vai se repetir e que um novo calote virá. A situação é diferente, e o fato de o Brasil ter US$ 56 bilhões em reservas cambiais ajuda a tranquilizar: como a dívida interna é, em boa medida, contrapartida da acumulação de reservas, elas ajudam a garanti-la.
O rápido crescimento da dívida mobiliária, que dobrou nos 12 meses encerrados em fevereiro, também não significa que a dívida líquida total esteja crescendo na mesma velocidade. Ela era de 28,5% do PIB no final de 94 e saltou para 31,6% no final do ano passado. Parte da dívida mobiliária, por exemplo, tem como contrapartida outros ativos financeiros do governo.
De todo modo, a rapidez e a magnitude do salto da dívida mobiliária é incômoda, como admitem fontes qualificadas do governo. Num país com o passado de calotes como o Brasil, o crescimento da dívida mobiliária sempre tende a gerar desconfiança. A curto prazo, a desconfiança pode se traduzir em pressão por maior remuneração. Na pior hipótese, pode levar a dificuldades do governo em vender seus papéis ao setor privado.
Hoje admite-se que há espaço para um endividamento adicional. O problema é que ninguém é capaz de dizer, com certeza, qual é o limite sensato. Argumentar que em países como a Itália ou a Bélgica a dívida supera o PIB não chega a tranquilizar: nenhum país desenvolvido com alto endividamento passou, recentemente, por uma hiperinflação ou por um calote.
A rigor, a dívida mobiliária deveria ter caído com a estabilização. Com a queda da inflação, aumenta a demanda por moeda, e o governo pode substituir dívida remunerada por emissão gratuita. De fato, nos primeiros seis meses do Real, a base monetária cresceu R$ 13,7 bilhões.
Mesmo assim a pressão do acúmulo de reservas, déficits fiscais, pagamentos de juros e outros fatores fizeram com que a dívida mobiliária desse um enorme salto (era de 12,5% do PIB antes do plano). Só no primeiro bimestre deste ano o aumento foi de 18% (ou R$ 18,7 bilhões).
A perspectiva não é animadora. Do lado positivo, é provável que diminua a pressão gerada pelo aumento de reservas. O juro também baixou pela metade, embora hoje ele incida sobre o dobro da dívida mobiliária de há um ano.
Várias contas fiscais, contudo, continuarão a inchar a dívida mobiliária. O aumento de capital do BB exigirá a injeção de, pelo menos, R$ 2,3 bilhões do Tesouro (deverá ser maior, pela relutância de outros acionistas em subscrever sua parte).
O Banespa consumirá pelo menos R$ 7,5 bilhões em títulos federais. É provável que exija mais R$ 2 bilhões da dívida acumulada desde dezembro. Se o acerto gorar, o governo federal poderá ficar com a conta total de R$ 17 bilhões.
A dívida a ser refinanciada dos agricultores é de R$ 7 bilhões, dos quais R$ 1,75 bilhão este ano. A dívida mobiliária da Prefeitura de São Paulo a ser federalizada é de R$ 3,3 bilhões, pelo que foi anunciado, mas ainda não formalizado. O Proer adicional deverá envolver alguns bilhões.
Um total de, no mínimo, R$ 15 bilhões.

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