São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 1996
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'Sonho sem Limites' ri da fama e da TV

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

'Um Sonho sem Limites' ri da fama e da TV
"Na América você só é alguém se aparecer na TV." Baseada neste princípio, a jovem Suzanne Maretto (Nicole Kidman) constrói sua vida e algo mais em "Um Sonho sem Limites". Baseado nesta frase (ou contra ela), Gus Van Sant constrói sua comédia amarga, que começa com o assassinato do marido de Suzanne, Larry (Matt Dillon). Ou antes, com a notícia do assassinato de Larry. Pois a amargura de "Um Sonho sem Limites" vem menos da trama armada pela garota do que pela admissão da idéia de que se a mídia não cobre um evento (ou acolhe uma pessoa) ela simplesmente não existe.
A publicidade da distribuidora tem insistido na atriz como ponto central do filme. Tem razão: há tempos, espera-se da bela sra. Tom Cruise que seja mais do que a bela sra. Tom Cruise.
E Nicole Kidman comparece. Está um pouco diferente, parecendo um pouco a Ann-Margret dos anos 60 e bastante à vontade na composição de uma garota que só pensa em triunfar na vida e se projetar nacionalmente.
Mas o real motivo do investimento ser centrado em Kidman talvez seja outro que não suas virtudes. Gus Van Sant constrói seu filme sem obedecer à cronologia. Procura encontrar soluções lógicas para mostrar a América em que se insere Suzanne. As pessoas sem ambições (como o marido), os adolescentes tolos que retrata em seu documentário para a TV.
E trabalhar fora da cronologia, para os padrões do cinema americano atual, não é uma opção. É quase uma insânia. Estamos num momento em que, mês sim, mês não, alguém tenta enfiar pela goela (e não raro enfia) pálidas imitações de comédias dos anos 30 ou 40, como se fossem expressões do renascimento de um espírito.
Van Sant trabalha em outro registro. Busca a atualidade, analisa o tipo de distorção que a fama (ou a perspectiva da fama) exerce sobre as pessoas. Analisa, sobretudo, esse tipo de alienação que consiste em só reconhecer a própria existência desde que seja percebida pelos outros (isto é, veiculada).
Tomada a sério, a história é quase pueril. Envolve uma garota maluca que consegue emprego numa obscura TV a cabo do interior. A idéia de matar o marido para se projetar vem depois. Mas é no contraste entre a construção de Nicole Kidman (falsa da cabeça aos pés) e o meio em que vive (onde o real se impõe) que "Um Sonho sem Limites" marca seus pontos e mostra-se invulgar.

Filme: Um Sonho Sem Limites
Direção: Gus Van Sant
Elenco: Nicole Kidman, Matt Dillon, Joaquin Phoenix, Allison Folland
Estréia: hoje, nos cines Gazeta, Center Norte 3, Belas Artes e circuito

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