São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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A praga do fim de século

ROBERTO CAMPOS
DE UM LÍDER SINDICAL AMERICANO

O desemprego é a grande praga deste fim de século. No Primeiro Mundo, trata-se de desemprego aberto. No Terceiro Mundo agrava-se a crise crônica do subemprego. No Brasil, o fenômeno assume tonalidade um pouco diferente, através da célere expansão da economia subterrânea, não captada nas estatísticas.
A crise maior é a da Europa Ocidental, que não gerou empregos novos entre 1973 e 1994. O mais dinâmico gerador de emprego são os Estados Unidos, com população desempregada bem menor do que a européia, apesar de continuarem sendo os maiores receptadores de imigrantes. O Japão está em posição intermediária. Cria poucos empregos novos no seu território, mas, sob a pressão do ien valorizado e altos custos de mão-de-obra, tornou-se grande criador de empregos no leste e sudeste asiático.
A praga do fim de século é atribuída a três causas: uma "conjuntural", outra "estrutural" e a terceira "institucional". A primeira resulta da recessão que se instalou no mundo industrializado, após o grande "boom" de 1984 a 1990, um dos mais longos períodos de crescimento sincronizado na história humana. Os Estados Unidos e a Inglaterra foram os primeiros a entrar no ciclo recessivo, e os primeiros a sair. A França e a Alemanha continuam com um tímido crescimento e o Japão, após a explosão imobiliária e financeira -a chamada "Bubble Economy" dos anos 80-, amarga vários anos de estagnação.
A segunda causa é "estrutural". Resulta da revolução tecnológica. Entramos na última fase da Revolução Industrial: do salto de produtividade em mercadorias (sociedade industrial), passamos ao salto de produtividade em serviços (sociedade pós-industrial) e, agora, à sociedade do conhecimento. Neste, a mão-de-obra tradicional se torna descartável, privilegiando-se os trabalhadores superadestrados, capazes de manipular a informática e a robótica. Criou-se assim um descompasso. A mão-de-obra de treinamento médio, aceitável nas sociedades industriais e pós-industriais, não é a demandada pela sociedade do conhecimento. Surge o fenômeno do "desemprego tecnológico". Este não é, de resto, novidade na história econômica. Surgiu sempre que houve transições súbitas de patamares tecnológicos, como, por exemplo, a descoberta da máquina a vapor, no século 18. Apenas, a atual revolução tecnológica se processa com espantosa velocidade, exigindo ajustes dolorosos e profundos.
Até certo ponto, as revoluções tecnológicas são auto-corretivas. Desempregam mão-de-obra direta, mas o aumento de produtividade e renda propicia a expansão de novas atividades. Lazer e turismo serão provavelmente as indústrias mais dinâmicas deste fim de século. Um outro elemento auto-corretivo é a percepção crescente (sobretudo nos Estados Unidos) do conflito entre "efficiency" e "loyalty". As vantagens da redução selvagem de custos, pelas despedidas, em nome da eficiência, podem ser anuladas pela perda de "lealdade" dos empregados. Desregulamentação e alívio fiscal para microempresas ajudariam bastante, pois o impacto do desemprego resultante da reengenharia de empresas ou da reformatação do Estado, pode ser atenuado por autônomos, que formam microempresas para nichos de mercado.
É inútil tentarmos contrariar as atuais tendências de informatização, robotização e globalização. "É melhor participar do que assistir", como dizia um amigo meu, a propósito de filmes pornográficos... O que há a fazer, é investir no adestramento da mão-de-obra. E como o melhor treinamento é o dado dentro da empresa, esta deve ter flexibilidade de contratação, a custos mais baixos, de novos ingressantes no mercado de trabalho. Países como a França, que impõem por lei um salário mínimo elevado, estão condenados a ter muito desemprego de jovens.
Um terceiro fator de desemprego é "institucional": a rigidez da regulamentação trabalhista, assim como o inchaço do "Welfare State", característicos das sociais democracias européias. São várias as consequências do "Estado-Babá": tributação excessiva das empresas, que perdem capacidade de investimento; redução da mobilidade da mão-de-obra, pois muitos benefícios assistenciais não são portáteis; resistência à aceitação de empregos menos atraentes; erosão da "ética do trabalho", substituída pela "cultura da dependência"; risco maior das empresas na contratação, pela dificuldade da despedida.
Não é fácil determinar qual a responsabilidade dos dois fatores -a rigidez regulatória do "Estado-Babá" ou a "Expulsão tecnológica" -na crise de emprego. Os Estados Unidos e o Japão têm maior densidade tecnológica que a Europa, com desemprego menor. O Japão exibe uma taxa baixa de desemprego, porém absorve poucos imigrantes, enquanto que os Estados Unidos são o grande receptador dos miseráveis do mundo. Neste último país, tanto a remuneração como o sistema de contratação e despedida são flexíveis; o desemprego é modesto. Na Europa, ambos são rígidos; a taxa de desemprego é alarmante. O Japão está em situação intermediária: há relativa inflexibilidade de emprego, mas a remuneração é flexível (o salário fixo é porcentagem menor da remuneração total, que compreende itens flexíveis, como os bônus de produtividade).
Os europeus criticam o modelo norte-americano (conquanto secretamente busquem imitá-lo), alegando que ele tende a rebaixar o nível salarial médio e é mesquinho nos benefícios assistenciais. Os americanos redargúem que criam muito mais empregos (para nativos e imigrantes) do que os europeus. E que é melhor dar empregos medíocres a muitos que empregos generosos a poucos. Acredito que eles têm razão. O desempregado é um humilhado e um ressentido, ainda que receba generoso seguro-desemprego. O assalariado de baixa renda sofre privações, mas preserva a auto-estima.
No Brasil, o adensamento tecnológico é ainda modesto, mas é enorme a rigidez da regulamentação trabalhista, e pesados os encargos sociais do Estado-Providência. Este já faliu, mas hesita em reconhecer sua inviabilidade. É que os principais beneficiários são grupos vocais e politizados da classe média (que conseguem aposentadorias precoces), ou a burocracia estatal, em seus vários níveis. Esses grupos se mobilizam em defesa dos "direitos adquiridos". Os pobres se resignam a "prejuízos imerecidos". E tragicamente, por desinformados, até apóiam a continuação do atual sistema de Previdência Social, ou melhor falando, de "injustiça social". É o estranho fenômeno da "sanção da vítima", a que se referia a romancista Ayn Randl.
Há uma névoa de percepção que obscurece os fatos. Falamos muito nas "conquistas sociais", o que pressupõe uma relação necessariamente adversária entre capital e trabalho. Mas no mercado não existem conquistas, e sim "negociações", nas quais se dividem ganhos e perdas. Sofremos, como diz o professor José Pastore, de uma obsessão pelo "garantismo legal". Nossas leis, assim como a Constituição de 1988, são abundantes em garantias. O problema é que o irrealismo das promessas e reivindicações resulta no crescimento do mercado informal, à margem das leis. Isso enseja a formulação de uma nova lei sociológica: "A redução do número de garantidos é diretamente proporcional à ampliação das garantias".

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