São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Garotos adotam calendário da violência

LALO DE ALMEIDA; ROGERIO WASSERMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Os garotos de rua têm uma forma peculiar de marcar o tempo. Olhando as fotos de 1990, muitos dizem: "Isso é do tempo do esmalte", ou "É do tempo em que os policiais da Sé usavam quepe branco", fazendo referências à droga mais consumida naquele momento ou à vestimenta dos policiais.
Segundo Maria Cecília Garcez Leme, 33, pedagoga da Associação de Apoio aos Meninos e Meninas de Rua, ligada à Pastoral do Menor, os garotos agem dessa forma porque tomam como referência os fatos marcantes de suas vidas.
"No fundo, eles agem da mesma forma que as crianças que contam o tempo pelas festas de família ou pelas séries da escola", diz.
Outras ocorrências marcantes também são lembradas, como a que precipitou a saída dos últimos garotos que ainda ficavam na praça da Sé, no final de 1995.
Os garotos contam que um menor foi queimado quando um policial pôs fogo e chutou uma lata com cola.
O fogo espirrou na perna e braço do menino, provocando queimaduras de terceiro grau, agravadas ainda mais quando os outros garotos da praça o colocaram no chafariz para tentar apagar o fogo.
O menino queimado se recuperou e hoje voltou para casa.
O medo da violência policial também é uma constante. No dia 27 de março, um PM, que tivera sua farda furtada no largo São Francisco, passou no Vale do Anhangabaú avisando os meninos e meninas que se não a encontrasse até a noite, quem estivesse lá apanharia.
Muitos dos garotos que dormem no local procuraram outro lugar para ficar naquele dia. O problema acabou sendo resolvido sem maiores complicações, depois que a farda foi encontrada no largo São Bento.
(LALO DE ALMEIDA E ROGERIO WASSERMANN)

Texto Anterior: Sina de 'Pixote' persegue menor de rua
Próximo Texto: Cleide morre de Aids um dia após sair da rua
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.