São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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O gol contra

JUCA KFOURI

O gol contra é pior que o suicídio, porque é feito sem querer. Suicídio que, por sinal, Albert Camus, o prêmio Nobel de Literatura em 1957, definiu como a única questão verdadeiramente profunda da humanidade.
O mesmo Camus que sempre disse que nada o ensinou mais na vida do que o fato de ter sido goleiro.
Mas, se o gol é o êxtase, o gol contra é a agonia.
Agonia vivida pelo atacante Castor, do Remo, na terça-feira passada, em sua plenitude.
Aqui foi escrito que em 40 anos vendo futebol jamais assistira a um gol contra como o de Castor, não só pela beleza do arremate como pelo inusitado, pelo surpreendente e, mais que isso, pela dramaticidade de ser um gol marcado já nos descontos e que desclassificou o time do Pará.
Memória em ação, houve um outro gol contra inesquecível, dramático no momento em que se deu, mas que, felizmente para o autor, acabou não tendo maior significado.
Foi na decisão do Campeonato Paulista de 1964, entre Santos e Portuguesa, na Vila Belmiro.
O Santos jogava pelo empate e ganhava de 2 a 1 quando uma bola cruzada da direita do ataque luso passou pelo goleiro Gilmar em direção à linha de fundo.
No bico da pequena área, lado esquerdo, o lateral santista Ismael foi tomado por uma alucinante inspiração, ajoelhou-se e enfiou a cabeça violentamente contra a bola, mandando-a no ângulo e estufando as próprias redes.
A Vila Belmiro entrou em perplexo silêncio. Ismael, mãos na cabeça, parecia em transe, à beira de um ataque de loucura.
E Gilmar, experiente e frio, reagia dentro de seu figurino, com um largo sorriso.
Jamais tinha visto um gol contra tão lindo, tão aparentemente feito de propósito.
Só que o Santos era o Santos de Pelé e o jogo acabou 3 a 2 para os anfitriões.
O gol de Castor superou o de Ismael e garante a ele um lugar na história dos lances mais dramáticos do esporte.
Que o pobre Castor sobreviva sem o estigma do infortúnio é tudo que se pode desejar a um atleta marcado pelo maravilhoso mistério que envolve o jogo de futebol.
*
Ao virar as costas, e, se de fato virar definitivamente, para o Paulista, o Corinthians, enfim, começa a olhar para a Libertadores com os olhos de quem pode vencê-la. Parabéns!

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