São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Montana entra no mapa do terrorismo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Montana, 191 anos de presença branca, 107 como Estado dos EUA, só se integrou à geografia do jornalismo internacional a partir de abril de 1995.
O atentado terrorista em Oklahoma City trouxe à luz do noticiário mundial a existência das milícias de Montana, grupos armados de extremistas anti-Estado dispostos a quase tudo em nome de suas convicções libertárias.
Nos últimos 20 dias, o cerco aos Freemen (Homens Livres, em inglês) que se consideram independentes do poder do Estado, e a prisão do suposto Unabomber colocaram Montana em maior relevo.
A pergunta inevitável é: foi por mera coincidência que esses atos ocorreram no 4º maior Estado do país em área e 44º em população (terceira menor densidade demográfica, maior apenas que Alasca e Wyoming)?
Resposta provável: não. Montana, com suas enormes áreas montanhosas a oeste e imensas planícies a leste, tem uma tradição secular de respeito à privacidade, que o torna o refúgio ideal para bandidos, eremitas, perseguidos e excêntricos em geral.
Theodore Kaczynski viveu 25 anos numa cidade, Lincoln, de 600 habitantes. Todos os outros 599 o conheciam e sabiam o seu nome. Nenhum jamais lhe perguntou como ele ganhava a vida sem trabalhar, por que se ausentava com frequência e por períodos longos, qual a sua história de vida.
Nada mais típico do oeste dos EUA e de Montana, mais especificamente. "Aqui existe essa idéia de que os assuntos do seu vizinho não dizem a respeito a você, a não ser a partir do momento que comecem a prejudicá-lo", diz Ken Toole, da Associação de Direitos Humanos de Montana.
Um Estado belíssimo, com três das cinco entradas do parque nacional de Yellowstone, cenário do filme "Nada É Para Sempre" ("A River Runs Through It", de Robert Redford), Montana é o ambiente ideal para quem quer sumir.
Centenas de celebridades (Jane Fonda e Ted Turner, entre elas) escolheram Montana como seu esconderijo nas últimas duas décadas. Nos anos 50, intelectuais marcados pelo macartismo foram se abrigar ali.
Apesar de em Montana terem florescido movimentos políticos de direita, o Estado tem tradição esquerdista: lá surgiram os principais sindicatos com orientação socialista do país (de mineiros), no começo do século.
O Estado votou em Bill Clinton em 1992 e nas 13 últimas eleições presidenciais escolheu o candidato mais liberal, exceção no ambiente conservador dos Estados das Montanhas Rochosas como ele.
Esse histórico político (que inclui a eleição de alguns dos senadores mais liberais da história do país, como Mike Mansfield, Thomas Walsh e Burton Wheeler) mostra que a afinidade de Montana com as milícias, os Freemen e Kaczynski não é ideológica, mas filosófica.
Montana é tolerante, como diz um de seus filhos ilustres, o escritor Jim Grady (que fez "Os Três Dias do Condor", depois um filme de Sidney Pollack, com -de novo- Robert Redford).
Ou, conforme o californiano John Steinbeck, Montana é o lugar onde as pessoas "têm tempo para tratar de suas coisas e para se comprometer com a transitória arte da prestimosidade".
O preço que o Estado talvez pague por esse traço cultural de não se meter com a vida do próximo a não ser que ela prejudique a sua pode ser alto, a julgar pelas primeiras reações aos casos Freemen e Unabomber.
O turismo é uma das suas principais indústrias, responsável por 10% do PIB estadual (de US$ 15 bilhões anuais). O número de turistas em Montana no ano passado foi nove vezes superior à população fixa, de 870 mil pessoas.
Nas últimas semanas, o escritório estadual de turismo tem recebido milhares de consultas sobre as condições de segurança para se viajar no Estado, e as brincadeiras pejorativas nacionais se multiplicaram.
"Montana... Onde Pelo Menos as Vacas Não São Loucas" foi um dos novos slogans turísticos sugeridos num concurso entre ouvintes de rádio sobre como capitalizar a súbita notoriedade do Estado.

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