São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Oferta de tráfico leva 45 segundos em NY

GILBERTO DIMENSTEIN; PATRICIA DECIA
DE NOVA YORK

Às 17h50 de terça-feira passada havia três carros de polícia e 11 policiais circulando pela Washington Square, uma pequena praça no Greenwich Village que cerca os prédios da Universidade de Nova York.
Ali, um dos cenários do filme "Kids" onde os adolescentes compram drogas, a Folha fez um teste: quantos segundos é possível caminhar antes de ser abordado por um traficante. Mesmo com o policiamento.
Aquela terça-feira tinha um significado especial. Na semana anterior, a polícia havia anunciado -e saiu com grande destaque no "The New York Times" de domingo- que a repressão contra as drogas iria endurecer a partir de segunda-feira.
Além dos dois repórteres, caminhou pela praça o fotógrafo João Carlos Volotão. Cada um deu uma volta, em horários diferentes. O "pior" tempo foi de dois minutos, e o "melhor", de apenas 45 segundos.
Ao todo, foram feitas dez propostas -uma delas por um grupo de três homens. Em todos os casos, a abordagem foi a mesma. Os traficantes sussurram a palavra "smoke", gíria equivalente a "fumo".
Num prazo de uma hora, foi possível observar três "negócios" se consumando. Um dos traficantes, por exemplo, se aproximava soltando bolhas de sabão e recitando poemas de amor. "Bubbleman", como ele se apresenta, é uma das figuras mais populares da praça, que serve de ponto de encontro de adolescentes. Na terça, ele vendeu drogas pelo menos para um grupo de dez garotos que aparentava ter idade média inferior a 16 anos.
Segundo o relatório da Universidade de Columbia, 50% dos estudantes entre 14 e 17 anos usam algum tipo de droga ilegal, e 30% usam maconha ou outras drogas com frequência.
As cautelas são poucas. Um outro grupo de jovens parou um traficante e deu uma nota de US$ 10. Ele pediu alguns minutos. Os garotos nem olharam para o lado para ver se havia policiais -que estavam a uns 20 metros. Logo chegaria a maconha.
As cenas são muito similares às mostradas pelo filme "Kids", do fotógrafo Larry Clark, exibido no ano passado no Brasil.
O filme foi considerado o retrato de uma geração sem futuro. Ele mostra um dia na vida de um grupo de meninos e meninas, tendo como centro a busca de um garoto (Leo Fitzpatrick) por uma ex-namorada que ele contaminou com o vírus HIV.
Na Washington Square o personagem de Fitzpatrick compra maconha com o dinheiro que roubou da carteira da mãe. O traficante é amigo do grupo e consegue a droga em poucos minutos, sem nenhuma dificuldade.
Jogo de xadrez
Após duas horas na praça, foi possível identificar pelo menos 20 vendedores. Alguns caminham entre os garotos, que ficam sentados em pequenos grupos.
Outros ocupam os bancos próximos às entradas da praça para jogar xadrez. Para conseguir a droga, é só ficar alguns instantes parado ao lado, com a desculpa de observar o jogo.
A área em volta dos carrinhos de "donuts" e refrigerantes também é um dos pontos preferidos pelos traficantes. Ele aproveitam os pedestres que param, ou andam mais devagar, para oferecer a droga.
Todos os anos, a praça serve de palco para uma manifestação a favor da liberalização da maconha. Nesse dia, as pessoas fumam abertamente, exibindo cartazes e gritando palavras de ordem.
(GILBERTO DIMENSTEIN e PATRICIA DECIA)

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