São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Programas embaralham ficção e notícia

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Telenovelas e programas como "Você Decide" diluem cada vez mais os limites entre os espaços da ficção e da notícia.
A heterodoxia não é inconsequente. Promovendo a participação direta ou indireta de telespectadores, esses programas dramatizam a crise das instituições a partir da experiência íntima das personagens da trama.
O primeiro episódio da temporada do "Você Decide", que foi ao ar na última quarta-feira, é ilustrativo das perversidades que acometem o espaço público de um país em que a ficção televisiva se tornou palco privilegiado de problematização da política nacional.
O programa convoca os cidadãos sedentos por justiça social a participar da solução imaginária de seus dramas cotidianos. "Nossa heroína", nas palavras do apresentador do programa Tony Ramos, enfrenta bravamente a polícia corrupta e exterminadora que assassinou seu irmão.
Os minguados votantes no Brasil inteiro obviamente torcem pela persistência da humilde Bárbara (Letícia Sabatella) em sua cruzada contra os poderosos.
E, em 50 minutos decisivos, com a providencial ajuda de um secretário da segurança, um delegado e um advogado do bem, está vingada a família pobre, vítima da carnificina em que se transformaram os bairros carentes das grandes cidades brasileiras.
Já na novela "Explode Coração", "o reality show" chega às vias de fato. As mães da Candelária roubam a cena para chorar seus filhos desaparecidos.
Emocionam tanto que, em uma curiosa inversão, a novela da Globo produz a pauta do jornalismo da casa. O "Jornal Nacional" vai atrás dos casos de filhos recuperados. O "Bom Dia Brasil" entrevista a autora da novela que melodramatiza o serviço prestado.
A emissora privada vai assim se imiscuindo e romanceando funções de ordem pública. Se a Globo realmente "bola o que rola", ela bola um Brasil saturado pela comunicação eletrônica, em que a tragédia social e o esvaziamento das instituições democráticas são tratados de maneira despolitizada na linguagem do melodrama.
Não é de se admirar que a política nacional apareça cada vez mais reduzida a uma monótona sequência de intrigas cor-de-rosa.

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