São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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O crime do professor de matemática

FERNANDO GABEIRA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Unabomber. Um mais um, dois mais dois. A vida deu uma volta na matemática. O professor Theodore Kaczynsky caiu, finalmente. Denunciado pelo próprio irmão, drama familiar aos brasileiros que viram um presidente cair assim, Unabomber tem um lugar importante na história do terrorismo do século 20.
Vivia sem luz elétrica, sem água encanada, usava bicicleta para se locomover, era um espécie de Thoreau, com uma banana de dinamite presa aos dentes.
Como Thoreau devia amar a natureza, unir-se à sua força essencial e como Thoreau desprezava um progresso técnico que estava levando a humanidade e o planeta à própria destruição.
Thoreau escreveu o célebre ensaio "Desobedeça", pregando a desobediência civil às leis injustas. Inspirou muita gente, em especial a Ghandi que utilizou suas táticas numa longa campanha pacifista que acabou derrotando os colonizadores ingleses.
Unabomber desobedecia e explodia. Já no princípio do século os terroristas eram condenados pelos grandes teóricos. Lenin, que teve um irmão acusado de terrorismo -acontece nas melhores famílias- achava o método ineficaz, quase ridículo.
E o capitalismo estava de certa forma começando, era quase incipiente comparado com o que é hoje.
Visão crítica
Unabomber tem uma visão crítica do sistema, ironiza os conservadores que querem progresso tecnológico a todo custo e não percebem que o progresso desordenado manda seus próprios valores para os ares.
Unidunitê, ele não é mais o terrorista do princípio do século nem um filósofo precursor das lutas ecológicas. Unabomber é personagem na Internet, publicou um manifesto nos principais jornais americanos e foi professor de uma universidade da Califórnia, que ferveu nos anos 60.
Como explicar que não tenha aprendido com a desventura de seus precursores, que sua ligação com a natureza não o tenha ganho para a paz?
Talvez nem seja esta a pergunta adequada. Há espaço ainda para malucos beleza na sociedade americana?
A maré de violência que transborda as telas e perpassa todas as dobras do cotidiano não permite mais gente perguntando "e aí bicho?", vendendo granola feita em casa, cursos de yoga ao amanhecer.
O homem que dinamitava cientistas sob o argumento de que seus delírios tecnocráticos estavam levando a humanidade e o planeta à destruição, vivia na vasta solidão de Montana. Mas no casebre foram encontrados três livros, com fórmulas e cálculos, em busca da bomba perfeita.
Habilidade manual
O professor de matemática, que tinha pouca habilidade manual, trazia na sua modesta sala a prova de que o progresso técnico o envenenou com o pior de suas taras: fórmulas, números, símbolos que na sua expressão máxima resultaram na bomba atômica.
Unabomber carregava no próprio nome o descaminho da razão instrumental e na sua sala de estar o mais escandaloso fruto do progresso que ele tanto condenou.
Não importa se as bombas que fabricava eram toscas, precárias colagens de quem não tem intimidade com o concreto. Os cálculos eram absolutamente corretos, a química perfeita.
Ouvindo os ruídos do mato em Montana, Unabomber preparava os petardos para matar nos outros o que tinha de pior em si mesmo.
O professor Theodore Kackyzinsky não se limitou a reinventar a roda na sua cabana em Lincoln, Montana.
Ele reinventou a bomba.

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