São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Wideman ataca racismo dos críticos

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O norte-americano John Edgar Wideman, 54, que chega hoje ao Brasil para lançar seu livro "Acaso Sou o Guarda de Meu Irmão"?, não aceita pacificamente o epíteto de "principal escritor negro americano da atualidade".
"Pretender colocar um autor num compartimento de acordo com a cor de sua pele é uma atitude racista e anticultural", disse ele em entrevista à Folha por telefone, de Pittsburgh, Pensilvânia (EUA).
Pós-graduado em literatura em Oxford (Inglaterra), professor da Universidade de Massachusetts, autor de uma dúzia de livros premiados, Wideman tem um irmão e um filho na cadeia, ambos condenados à prisão perpétua -o primeiro por assassinato durante assalto, o segundo pelo homicídio de um colega, num acampamento.
Sobre o irmão ele escreveu o livro que sai agora no Brasil. Sobre o filho ele não fala nada para não atrapalhar o caso, que tramita na Justiça. A seguir, os principais tópicos da entrevista.
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ASTROS NEGROS - "Qualquer afro-americano que obtenha sucesso desempenha um papel ambíguo na sociedade, pois é usado como um indício de que o sistema funciona. As pessoas dizem: 'Olhe para esses sujeitos. Por que você não pode ser como eles? Por que não escreve livros ou joga basquete?' Por isso é tão importante que sejam feitos livros e filmes contando a história do ponto de vista de quem vive o problema na carne."
"LITERATURA NEGRA" - "Tenho orgulho de fazer parte de uma cultura afro-americana, de ter uma herança étnica, biológica, um modo próprio de falar inglês. Mas sou também um americano que leu Twain, Faulkner etc. É isso tudo que molda minha literatura, não a cor da minha pele. Os críticos frequentemente confundem os reinos da biologia e da cultura."
POLITICAMENTE CORRETO - "Não se trata de usar esta ou aquela palavra, 'negros' ou 'afro-americanos'. Trata-se de tentar entender a história e a cultura na sociedade atual. Há pessoas de boa-vontade que estão fazendo um esforço para compreender a diversidade e outras que simplesmente tentam manter a mitologia que justifica sua posição privilegiada na sociedade. Estas pessoas são perigosas, não importa que linguagem ou rótulos elas usem."
LITERATURA ORAL - "Quando me perguntam que autores me influenciaram mais, digo que foram as fontes orais: pregadores que ouvi quando criança, histórias que minha mãe me contava, conversas ouvidas na barbearia, a linguagem usada nas quadras de basquete. Essa é a língua através da qual aprendi a sentir, é minha língua primordial, aquela que fica com você para sempre, mesmo que você aprenda vários outros idiomas."

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