São Paulo, terça-feira, 16 de abril de 1996
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Esses moços, pobres moços

ELEONORA DE LUCENA

Minhas filhas adolescentes querem mudar o mundo. São contra as estruturas que estão por aí. Enxergam a miséria e a desigualdade campeãs no Brasil. Perguntam o que fazer.
Eu penso na resposta e volto à adolescência. Bons tempos em que era fácil identificar "o inimigo", falar contra o regime militar, a dominação externa, pedir democracia e igualdade.
Bons tempos? Tempos fechados. Em que as palavras de ordem aqui ainda eram bem parecidas com as da revolução de 1789. De fato, ainda se tratava de defender ideais iluministas.
Naquele tempo, o golpe derrubou as fagulhas populistas remanescentes da era de Getúlio Vargas. Implantou um regime autoritário, calou a oposição. Com a ajuda do dinheiro externo barato, acelerou o crescimento.
O Estado virou o maior empresário do país e, como acontecia no resto do mundo, tratou de ganhar algum verniz social. Depois da Segunda Guerra Mundial, todos os países centrais resolveram investir algo no social -até para fazer frente à escalada comunista.
O capitalismo reformado da época estava na sua idade de ouro, buscava uma face mais humana. Surgiam os enormes sistemas de previdência e seguridade social. A política era de estatização.
É certo que, no Brasil, a parte social não teve toda essa ênfase. Pelo contrário, os anos de crescimento provocaram mais concentração de renda. O Estado criou frágeis mecanismos de defesa para os mais pobres. E a esperada divisão do bolo jamais ocorreu.
No início dos anos 80, quando minhas filhas nasceram, a ordem internacional começou a desmoronar. O segundo choque do petróleo, em 79, foi o último sinal de que o sistema se esgotara. Depois veio a crise da dívida, em 82. Seguiram-se anos de recessão e inflação estratosférica.
No Norte do planeta, as experiências comunistas faliam. O mundo alternativo à ordem estabelecida se esfacelara. O capitalismo com bem-estar social foi engavetado -ele já não era mais necessário. A avalanche ultraliberal tomou conta de tudo.
A estatização caiu em desgraça e todo o poder foi dado à privatização. Os sistemas de seguridade social foram desmontados rapidamente. A extrema competição e a busca frenética do lucro máximo transformaram empresas e a convivência humana.
Quem quer saber dos pobres?
O individualismo -aliás, uma das fortes características da adolescência- está em primeiro lugar. Ação coletiva, partidos, sindicatos: tudo está em decadência. Até o lazer tende a ser cada vez mais individual, mais exclusivista.
No Brasil, o programa ultraliberal só começou a ser implantado nos 90. A chamada modernidade convive com figuras arcaicas como os sem-terra -que a polícia mineira reprime com armas inspiradas na antiga Roma. (Será que em parte ainda vivemos na era pré-feudal?)
Minhas filhas querem saber para onde vão. E eu não posso ficar lembrando Lupicínio Rodrigues. O historiador Eric Hobsbawm diz que hoje "nosso mundo corre o risco de explosão e implosão; tem de mudar".
Espero que as adolescentes descubram o que deve ser feito para mudar.

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