São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 1996
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Mais contabilidade: prestação de contas e de ética

CHARLES BARNSLEY HOLLAND

O assunto do dia são as "fraudes financeiras". Os meios de comunicação noticiam detalhadamente os seus efeitos.
Toda a sociedade está consciente de que precisamos adotar medidas eficientes para criar melhores condições na condução dos negócios do país, com segurança e ética. Cabe agora discutir algumas causas desses problemas.
1. De acordo com a lei 9.249, de 1995, as empresas com receitas anuais iguais ou inferiores a R$ 12 milhões podem optar pelo pagamento do Imposto de Renda pelo lucro presumido e eliminar a escrituração contábil.
É mais do que sabido que a ausência de controles contábeis formais facilita o ilícito fiscal. Enquanto em todos os países capitalistas a escrituração contábil é obrigatória, a legislação no Brasil está na contramão do progresso.
2. Em 1970, o Brasil tinha 20 mil fiscais na Receita Federal. Hoje, segundo se noticia, tem 5.500 para controlar todas as fronteiras, nosso litoral, todos os aeroportos e portos, 2 milhões de empresas, 30 milhões de contribuintes, a arrecadação de Imposto de Renda, IPI, IOF etc.
A Receita Federal não pode desempenhar eficientemente suas funções se não dispuser de recursos humanos adequados.
3. Segundo a Constituição, todos os trabalhadores devem ser registrados. Segundo o IBGE, apenas 58,5% da força de trabalho estava registrada em 1990. Em 1993, esse índice caiu para 50,9%.
Segundo se noticia, parte considerável dos que atuam no mercado formal também não contribuem com retidão. Com uma das maiores cargas tributárias mundiais sobre o trabalho, com benefícios ínfimos, e uma máquina de arrecadação deficiente, só podemos ter um sistema previdenciário deficitário e desacreditado.
4. No Brasil, pelo menos até 1996, é possível aposentar-se com 35 anos de trabalho, sem necessidade de comprovação plena de contribuição durante todo esse período. Basta obter cartas de testemunhas que atestem o tempo de trabalho no passado. Correntes da felicidade só funcionam no início, produzindo os descalabros que tão bem conhecemos.
5. O sistema de arrecadação e fiscalização é complicado, tornando muito fácil o ilícito.
As empresas estão sujeitas a muitos números de controles, sempre diferentes para os órgãos federais, estaduais e municipais, Previdência Social, FGTS etc. Os sistemas de arrecadação, de avaliação de crédito, de polícia não se comunicam hoje com outros sistemas.
6. Somos um dos países menos auditados do mundo. Por exemplo, existe aqui um auditor independente para cada grupo de 24.615 habitantes.
Na Holanda, há um auditor independente para cada 899 habitantes; na Grã-Bretanha, um para cada 1.316 habitantes; nos EUA, um para cada 2.327.
Enquanto na maioria dos países do mundo a auditoria independente é obrigatória para todas as empresas, ou para a maioria das médias e grandes empresas, no Brasil somente 3.000 estão sujeitas à auditoria obrigatória.
Existe correlação entre a inflação e a falta de ética. Depois de décadas de inflação alta e de governos e empresas que prestavam contas não-inteligíveis, a contabilidade foi posta de lado e, para muitos, ficou até esquecida.
Para melhorar a ética nos negócios, precisamos convocar todos os 390 mil contabilistas com que contamos. Além de fazer a escrituração de livros fiscais, eles precisam fazer sempre a escrituração contábil. Precisamos acabar com a balbúrdia nos negócios.
Da mesma forma, os contadores e auditores podem e devem ser convocados para ajudar a melhorar a racionalização dos controles da arrecadação dos órgãos do governo, difundindo amplamente a linguagem universal de negócios, a contabilidade, e reforçando o quadro de fiscais.
Reconheço que muitos serão pouco receptivos às mudanças propostas. Afinal, muitos não contribuem e não prestam contas com retidão há décadas. Para problemas de passado pouco ético, existem soluções políticas para permitir o progresso.
Conhecendo os efeitos, cumpre-nos atacar as causas. Devemos convocar os meios de comunicação, as entidades de classe e os políticos para se atirarem unidos a essa luta em prol de um país mais justo. Precisamos já, imediatamente, de mais contabilidade, prestação de contas e de ética.

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