São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 1996
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Fotógrafo despe São Paulo dos clichês e do caos

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fotografar o centro de São Paulo é um inferno. É só apontar a câmera para que os clichês pululem como diabinhos: é menino cheirando cola, desempregado deprimido e velhinho alimentando pombos.
Nada disso aparece no livro e exposição "Luzes da Cidade", que o fotógrafo Cristiano Mascaro, 51, inaugura na próxima quarta-feira no Masp. Na mostra, são 50 fotos feitas entre 76 e 95; no livro, 83.
É por isso, talvez, que conseguiu reunir no livro textos de apresentação de nomes tão díspares quanto os de Antonio Candido, já um clássico da crítica literária (leia abaixo), e de Sebastião Salgado, considerado o maior fotógrafo documental da atualidade.
Contra o sensacional
Segredo? Não há segredo, segundo ele. Só rigor e algum método.
O método é uma espécie de antijornalismo: "O repórter vai atrás de algo culminante. Eu não. Vou atrás de nada, viro as costas para o sensacional", conta Mascaro.
Não que ele tenha algo contra o jornalismo. Foi nessa área que começou em 1968 na revista "Veja". Até hoje é o seu ganha-pão.
Já o rigor, diz Mascaro, é a herança de sua passagem pela universidade. É arquiteto formado pela USP, com mestrado, doutorado e 14 anos à frente do Laboratório de Recursos Audiovisuais da mesma faculdade.
Foi o impulso acadêmico que levou-o a Paris em 1969, onde seria vizinho de quarto de Sebastião Salgado quando este era só um estudante de economia vagamente interessado em fotografia.
Foi por indicação de Mascaro que Salgado comprou a sua segunda câmera, uma Nikon FTN, quando a primeira fora roubada.
Salgado acha que não é só de câmera que Mascaro entende. "Ele tem uma visão detalhista da cidade que pouca gente tem. É uma grande contribuição para a fotografia de cidade. Dá para contar nos dedos de uma mão os fotógrafos como Mascaro", diz Salgado, 52.
Paris serviu para aclarar o que queria da fotografia. Estudava semiótica aplicada à imagem e percebeu que o mundo de índices e ícones não lhe servia. "Acho que a fotografia está mais próxima da narrativa literária", afirma.
Fascínio pelo caos
Foi em 1974, fotografando o bairro do Brás antes de ser desfigurado pelo Metrô, que Mascaro descobriu que a busca de nada -ou quase nada- era o melhor modo de fotografar cidades.
"Às vezes fico horas dando voltas em um quarteirão. É só esperar que as coisas acontecem". Ele tenta seguir uma rotina. Acorda às 4h da manhã para estar no local às 5h.
Traça roteiros precisos, os quais assinala com alfinetes coloridos num mapa de São Paulo, mas quase nunca consegue cumpri-los. Sobe no topo de prédios e fica horas à espera da cena ou da luz. É fascinado pelo caos, mas ele raramente aparece em suas fotos.
"Acho que o caos me fascina porque sou absolutamente certinho, organizado. Esse meu fascínio de fotografar uma cidade caótica é uma tentativa de organizar o caos", afirma.
É uma missão quase impossível, segundo Nelson Brissac Peixoto, 43, curador que escolheu Mascaro para o Arte/Cidade 3, programado para este ano em São Paulo.
"Ele é o último fotógrafo de rua. Trabalha numa época em que a fotografia caminha para a manipulação técnica e o caos das cidades impossibilita o trabalho fotográfico como acontecia até os anos 60. O trabalho de Mascaro é o resultado dessa luta", afirma Brissac.

Livro: Luzes da Cidade
Autor: Cristiano Mascaro
Páginas: 120
Preço: R$ 60
Exposição: Luzes da Cidade
Onde: Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 251-5644)
Quando: Abertura e lançamento do livro na próxima quarta-feira às 19h. A mostra fica em cartaz até 6 de junho
Quanto: R$ 3; 5ª feira, grátis

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