São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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Livro conta a história do banho na Europa

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quantos dias você não toma banho? A simples pergunta soa hoje ofensiva, mas há 200 anos, pelo menos na Europa, ela não causaria nenhum embaraço. Mais que isso: a resposta certamente seria computada em semanas ou meses.
Como mostra o historiador Georges Vigarello no surpreendente "O Limpo e o Sujo", o banho, tal como hoje o conhecemos e praticamos (bem, pelo menos alguns de nós), é uma conquista recente da civilização.
A editora Martins Fontes coloca nas livrarias até o final do mês a edição brasileira do livro, que foi publicado na França em 1985.
"O Limpo e o Sujo" é um excelente exemplo da chamada "história do cotidiano".
Ao traçar um quadro da higiene da Idade Média aos nossos dias, Vigarello (nascido em Mônaco em 1941) combina uma pesquisa minuciosa com uma reflexão refinada sobre as várias dimensões do problema. Pois a história do asseio corporal (e ambiental) é um processo complexo, que envolve tanto o avanço científico como a mudança das representações do corpo, tanto a evolução da arquitetura como a educação dos sentidos.
Graças a essa perspectiva abrangente, o autor evita avaliar o passado com os olhos do presente. O livro é muito mais do que uma constatação de "como éramos porcos" até há pouco tempo. É uma brilhante demonstração de como foi mudando ao longo dos séculos a própria idéia de limpeza, bem como a relação do indivíduo e da coletividade com a água, com os dejetos, com os odores.
Não é, de modo algum, um processo linear. Na Idade Média, por exemplo, os banhos eram muito mais frequentes que na Época Moderna (do século 15 ao 18). Mas sua prática tinha menos a ver com a limpeza do que com o prazer: faziam-se festas nos banhos dos palácios, e as saunas e banhos públicos eram uma espécie de convite à libidinagem, mais ou menos como ocorre hoje nas chamadas "saunas mistas".
Com as pestes que assolaram a Europa no final da Idade Média, a festa acabou. Não só os banhos públicos passaram a ser considerados focos de contágio (e por isso fechados) como a própria água passou a ser vista como perigosa, pois abria os poros para a penetração dos eflúvios contaminados.
O livro está cheio de surpresas desse tipo, às vezes com minúcias espantosas: do inventário do número de banheiras em Paris (150 em 1804) à proibição de tomar banhos quentes a que foi submetida a imperatriz Maria Luísa em 1810 para "preservar sua fecundidade"; da invenção das primeiras latrinas residenciais (em meados do século 18) à construção da primeira rede de abastecimento de água e captação de esgoto em Paris (final do século 19).
Em sua pesquisa, Vigarello usou todo tipo de fonte: livros de ficção, recenseamentos municipais, tratados científicos, manuais de higiene, cartas pessoais, gravuras. Organizou esse imenso acervo de informações numa narrativa envolvente e agradável. Fez um livro que pode ser lido com igual proveito por acadêmicos e curiosos, entre um banho e outro.

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