São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 1996
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O Banco Central e o guarda alemão

MAILSON DA NÓBREGA

O Banco Central voltou à tempestade com o frustrado aumento de salários de seu pessoal. Conspirações, tramas, frituras e demissões retornaram ao noticiário.
A questão da independência do Banco Central está aí de novo. Desta vez, até líderes sindicais vão lembrar-se dela, julgando-a necessária para permitir aumentos salariais sem consulta ao governo.
A verdadeira independência, já se sabe, é aquela que permite ao banco, quaisquer que sejam as pressões, zelar pela estabilidade monetária e pela confiança no sistema financeiro -sem, no entanto, tornar-se um quarto Poder.
Significa recusar o financiamento inflacionário dos déficits orçamentários e contrapor-se ao "desenvolvimentismo" de políticos populistas.
No Brasil, compreenderia também ser implacável em relação aos desperdícios dos bancos oficiais.
Os adeptos da idéia costumam lembrar experiências de outros países, mostrando a correlação entre estabilidade monetária e independência. A Alemanha tem sido o exemplo preferido.
Ultimamente, o novo encanto é a Nova Zelândia. Lá, segundo se diz, o presidente do banco central tem metas de inflação. Se não cumpri-las, estará no olho da rua.
As idéias que circulam entre nós sobre banco central independente são inteiramente dissociadas de nossa realidade cultural, política e social.
É como se uma instituição de países politicamente avançados pudesse ser transplantada e aqui provocar uma imediata ruptura cultural, alterando o comportamento dos governantes, da classe política, dos magistrados, da burocracia pública, das elites.
O deputado Delfim Netto, em recente artigo na Folha (10/4/96), sugeriu que não existe necessariamente causalidade entre inflação baixa e independência do banco central.
Essas duas variáveis, diz ele, resultam de um terceiro fator. Nos países desenvolvidos, o déficit orçamentário e a dívida pública são sujeitas ao controle político, que impede a sua monetização. Podem, assim, dar independência aos seus bancos centrais.
É difícil não concordar com o argumento. Poder-se-ia afirmar, ainda, que os bancos centrais independentes funcionam nos países onde tudo o mais também dá certo.
Nesses países, o regime fiscal é saudável, o sistema político tem boa capacidade decisória, a Justiça é eficiente, os contratos são cumpridos, os criminosos (ricos e pobres) são julgados e presos, o trânsito funciona e assim por diante.
Quando tudo isso estiver presente, a independência será natural. Nem precisa de lei. No Japão, a autonomia do banco central não está em códigos, mas na cultura do povo. Na Europa, dá-se o mesmo na maioria dos países.
A independência do Banco Central do Brasil não virá de uma lei detalhista. Será consequência, fundamentalmente, da melhoria educacional em todos os níveis.
Se viesse, essa lei agradaria analistas desligados das questões de poder, mas seria pouco útil para o propósito de consolidar a estabilidade monetária.
Mais importante é avançar nas reformas estruturais para restaurar o regime fiscal. Sem este, nem a independência do Banco Central nem a estabilidade da moeda resistiriam ao tempo.
Essa independência equivaleria a trazer um guarda alemão para controlar o trânsito das cidades brasileiras, cujo caos se explica pelo despreparo de certas autoridades, por prioridades mal definidas para a malha urbana e por motoristas deseducados.
Ele seria transplantado de uma realidade em que os motoristas não costumam jogar lixo pela janela de seus carros e obedecem às normas sobre segurança no dirigir, sinais de trânsito e faixas de pedestres.
O guarda alemão fracassaria. Seria mandado de volta, para desespero dos ingênuos e alívio dos demais. Os cínicos diriam que essas coisas não funcionam abaixo do Equador.
A independência do Banco Central do Brasil é um objetivo a ser perseguido pela sociedade brasileira. Fazê-lo sem o mínimo de condições e realismo seria uma mistura de mimetismo com irresponsabilidade.

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