São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 1996 |
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"São Paulo S.A." tem atualidade assustadora
CARLOS REICHENBACH
O filme de Luis Sergio Person não só apresenta São Paulo como a grande personagem, como, também e sobretudo, detecta a origem da nova classe média nascida à sombra do "boom" da indústria automobilística. Person trouxe toda a bagagem formal aprendida no Centro Experimentale del Cinema, em Roma, e no contato com ciclos e autores -a "nouvelle vague", o cinema independente americano, o cinema político de Petri e Rossi e de seu mestre, Valerio Zurlini, com cuja carreira inconformista e reconhecimento tardio tanto se identificava. Para narrar as sequelas do progresso perverso e desordenado que assolou a metrópole de 1957 a 1961, Person lança mão de todos os expedientes do cinema moderno: narrativa fragmentada, cortes secos e abruptos, vozes contrastante em off, elipses, grafismo, alteração proposital do diafragma na mesma cena e a mistura ostensiva do documentário na ficção. Enfim, tudo o que em mãos menos hábeis e de talento homeopático se confundem com maneirismo, afetação ou modismo. Não foram poucos os filmes marcantes de juventude que depois se revelaram medíocres, ou no mínimo, datados. O maior impacto ao redescobrir "São Paulo Sociedade Anônima" é justamente sua atualidade assustadora, e onde, parafraseando o poeta, o moderno se revela eterno. A classe média nascida à sombra da Anchieta, o novo-riquismo que desponta com a periferia da industrialização avassaladora, é detectada implacavelmente pelo cineasta, com toda sua carga de falso civismo, boçalidade e corrupção, Carlos, o anti-herói e alter ego de Person, é uma peça frágil da engrenagem e, citando Henry Miller, condenado à peste do progresso. Como analisou o crítico e ensaísta Jean Claude Bernardet, Carlos, em seu fracasso ao tentar se manter à margem do processo, na sua indiferença afetiva e existencial, na abulia de suas atitudes sociais e políticas, tem os braços abertos ao fascismo. Como penitência para sua impotência, o eterno recomeçar, ... Artista e profeta, Person antevê a geração do milagre, o conformismo e o cinismo do Brasil. Não bastassem as qualidades inventivas de grande cinema, "São Paulo S.A.", é uma obra premonitória em sua busca obsessiva de entender o país e o homem urbano nativo. Como toda a obra-prima seu compromisso é com o aperfeiçoamento humano e a transcendência da arte. Definitivamente, um dos três melhores filmes da história do cinema brasileiro. Texto Anterior: Grandes tomam a cena Próximo Texto: 'Se Ficar Pior...' é sátira de suspense Índice |
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