São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 1996
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Reforma da Previdência: respeito ao direito

MICHEL TEMER

Relator da emenda constitucional que reforma a Previdência, recebi com tranquilidade a liminar concedida em mandado de segurança impetrado por ilustres parlamentares federais. Meu acatamento e respeito às decisões judiciais me impôs o silêncio sobre a matéria.
Em função de muitas declarações feitas nos últimos dias, ficou a idéia de que eu, enquanto relator, teria "violado" em inúmeras passagens o regimento interno da Câmara dos Deputados. Entretanto, nesse caso, nenhum argumento levantado foi capaz de modificar nosso entender. O equívoco interpretativo que se pretendeu dar à minha posição não pode ficar sem resposta.
Primeiro argumento da inicial do mandado de segurança: eu teria sido o autor e ao mesmo tempo relator, o que, de fato, é vedado pelo regimento. Respondo: não sou o autor da chamada emenda aglutinativa. São autores, regimentalmente, os que a subscrevem.
Não a subscrevi. Portanto, ainda que eu apregoasse aos quatro ventos a autoria, autor não sou para efeitos jurídicos, que é o que interessa no caso.
Segundo argumento: os autores da emenda aglutinativa teriam utilizado preceitos do substitutivo que já fora rejeitado na primeira votação e isso não poderia ser feito porque se aplicaria uma regra da Constituição, que diz: "A matéria rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa".
O problema, portanto, é saber se, regimentalmente, já se teria esgotado o processo legislativo de formulação da Emenda Constitucional na Câmara dos Deputados com a votação e rejeição do substitutivo inicialmente oferecido.
Explico o mecanismo regimental: o Poder Executivo propôs a emenda constitucional e a esta foram oferecidas emendas modificativas, supressivas, aditivas, pelos parlamentares.
O primeiro exame foi feito pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação e de lá seguiu para a chamada Comissão Especial onde relator designado deveria dar o seu parecer.
Que poderia ele fazer? Opinar pela aprovação da proposta original do Executivo, rejeitando em consequência todas as emendas, ou aproveitar trechos do projeto original e as emendas parlamentares oferecidas para substituir a proposta do Executivo.
Como visa a "substituir" esse documento, chama-se regimentalmente "substitutivo". O que acontece quando o substitutivo é rejeitado? Prossegue o processo legislativo, determinando o regimento que se apreciem a proposta original e todas as emendas apresentadas pelos parlamentares.
Nessa fase regimental é que surge a possibilidade de um décimo de deputados ou líder que represente esse número apanharem o texto do projeto original e das emendas apresentadas para oferecer um novo projeto, fruto da aglutinação dessas emendas. Daí porque nessa fase o novo projeto passa a se chamar "emenda aglutinativa".
Verifica-se que o campo material de que se serviu o relator que propôs o "substitutivo" e aquele de que se serviram os autores da "emenda aglutinativa" são exatamente o mesmo.
Daí porque pode haver, sem nenhuma proibição regimental, a semelhança de dispositivo do "substitutivo" com preceitos da "emenda aglutinativa".
Em outras palavras: a matéria constante da proposta de emenda ainda está sob produção legislativa. O processo legislativo a ela atinente não cessou.
Cessará, na Câmara, quando votada em definitivo a emenda aglutinativa, assim como os destaques a ela oferecidos, incluindo-se nesse item o segundo turno de votação. O que se deu até agora foi a aprovação da emenda aglutinativa em primeiro turno de votação, ressalvados os destaques. Não se pode falar, portanto, em matéria vencida.
Terceiro argumento: teria havido inovação de matéria na emenda aglutinativa. Primeiramente registro que não há indicação, no mandado de segurança, das supostas matérias inovadas.
Mas, fora isso, é preciso entender que a emenda aglutinativa, nos termos do regimento, visa a fundir emendas para alcançar o objetivo por elas almejado, não significando, portanto, a adoção literal da emenda. Não há, nesse caso, nem sequer o que contestar.
Sinto-me compelido a ressaltar que o mandado de segurança visa a proteger direito líquido e certo violado por ato de autoridade. Significa: se a aplicação concreta de determinado preceito legal violar direito individual, abre-se espaço para o mandado de segurança.
Ora, qual o direito dos impetrantes se o processo legislativo referente à construção da emenda constitucional ainda não se findou? O que os impetrantes desejavam, talvez, era obter uma declaração de inconstitucionalidade do dispositivo regimental, que autoriza a emenda aglutinativa mesmo depois de rejeitado o substitutivo.
Mas aí, se possível fosse, a ação seria a chamada "Ação Direta de Inconstitucionalidade". Nunca o mandado de segurança. Mas isso foi dito apenas para argumentar porque, nos termos da Constituição, compete privativamente à Câmara dos Deputados elaborar seu regimento interno (C.F., art. 51, III).
Ao elaborá-lo, a Câmara privativamente disporá qual o processo desejado para apreciação de um projeto de emenda constitucional, desde que obedeça a fórmulas preestabelecidas na Constituição. Aquilo que é "privativo" de alguém "priva" outrem de qualquer interferência nessa matéria. Daí porque se diz, em latim, que a matéria regimental é "interna corporis".

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