São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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A coroa do rei é de lata!

MARIÂNGELA DUARTE

A hemodiálise virou o assunto principal da mídia, pois, de meio de cura e salvação, vem-se transformando em instrumento de tortura e assassinato. Ainda não conseguimos superar a irreparável perda de uma das mais brilhantes inteligências do Brasil, Florestan Fernandes, que sobreviveu ao transplante de fígado, mas não a uma sessão de hemodiálise.
Nem as cruzes pregadas em frente ao Congresso Nacional por um dos doentes renais sobreviventes foram suficientes para sensibilizar o governo federal para a maior calamidade que a medicina brasileira já produziu: 40 mortos e mais de 50 doentes condenados à morte.
O presidente da República foi à Serra Talhada inaugurar um açude, no último dia 29 de março, a 250 km de Caruaru, e partiu sem visitar a cidade castigada: não enviou solidariedade às famílias nem apoio aos sobreviventes. O ministro da Saúde só resolveu visitar o local quando já haviam transcorrido dois meses da primeira morte!
Para ter-se medida do abandono em que se encontra a saúde, no Brasil, fazia dois anos que a clínica de Caruaru não recebia a visita de um fiscal da Secretaria Estadual de Saúde. Havia um ano a qualidade da água usada na máquina de diálise não era analisada, o que deveria ser feito a cada três meses.
Observando a falha na rotina médica, numa clínica que atende pacientes em estado de saúde tão delicado, entende-se o porquê das mortes ocasionadas pela hemodiálise. É o retrato de um país onde a população carente está condenada ao desamparo, onde sua dor e sua morte não são consideradas tão relevantes como quando a dor e a morte ocorre com a elite cruel que domina os destinos da nação.
Muitas doenças, que já se encontravam erradicadas, estão voltando, fruto da miséria, da fome e das péssimas condições de moradia e de saneamento básico. A tuberculose, por exemplo, grassa em quase todos os municípios brasileiros.
Os estadistas brasileiros, tão deslumbrados com o próprio sucesso perante a opinião pública, privilegiam o marketing político em detrimento de cumprir suas verdadeiras obrigações para com a população. Esquecem da lição do imperador D. Pedro 2º, que doou o diamante da coroa para matar a fome dos cearenses!
Não carrear recursos significativos para a área da Saúde, compatíveis com os níveis requeridos pela OMS, é contribuir com a multiplicação das mortes, num sinistro e impune genocídio. Essas personalidades que, hoje, ocupam os altos cargos serão consideradas cúmplices, no assassinato de tantos inocentes. A história dar-lhes-á o reconhecimento que merecem!

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