São Paulo, quarta-feira, 24 de abril de 1996
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Nada além do óbvio

JANIO DE FREITAS

Grandes medidas, como a criação de mais um ministério e de mais uma polícia, são um modo eficiente de encenar providências para a reforma agrária, e não de ativá-la, porque para isso não é necessário mais do que o simplesmente óbvio.
Se a criação de ministério resolvesse alguma coisa, a educação e a saúde, a justiça e os transportes não seriam a vergonheira nacional que são. Se a criação de polícia evitasse confrontos violentos, dispondo-se já da Polícia Federal, de 27 PMs, outras tantas polícias civis estaduais e, agora, da novidade tola de guardas municipais, deveríamos estar no reino da paz.
O recriado Ministério da Reforma Agrária não poderia ser mais do que a absorção do Incra com o acréscimo de mais funcionários. Para alcançar o mesmo efeito, já está aí o próprio Incra. À espera só de que seja encerrado o seu desmantelamento, feito por Collor em 90 e prosseguido até hoje, e de que haja disposição governamental de reorganizá-lo.
A reforma agrária só se tornou um problema, no atual governo, pela falta daquela disposição. Se os propósitos do governo continuarem os mesmos de até agora, negando à reforma agrária tudo o que tornaria verdadeira a sua alegada prioridade, não há de ser a criação de ministério que fará o milagre. É só olhar o que tem sido, por exemplo, o desprestigiado Ministério da Agricultura.
A mentalidade burocrática não tem contribuições a dar à reforma agrária, que só depende de decisão e alguma honestidade (inclusive, tão escassa no governo, intelectual). Pior ainda é a interferência da mentalidade policialesca, já presente na proposta da criação de uma polícia especial para os conflitos que ameacem ou firam a ordem pública.
Considerada na reunião de Fernando Henrique com Sarney, Luís Eduardo Magalhães e Sepúlveda Pertence, a proposta parte da hipótese de que é polícia que está faltando, quando, na verdade, está sobrando. O que pode sustar os conflitos previsíveis é a ação reformista do governo, e nada mais o fará. Além disso, tal polícia seria mais um passo do autoritarismo contra a Constituição, que, no seu pior trecho, confere às Forças Armadas a tarefa de defender a ordem pública.
Se for para fazer mesmo a reforma agrária, o governo não precisa dotar-se de nada além do óbvio. Nem mesmo para ter as leis que agora reclama, e das quais, na verdade não dependia. Se as quer, ainda que só para pretextar carências, é só recomendar aos seus parlamentares que apóiem a tramitação delas -recomendação oposta à que tinham até agora.
Calamidade
O apreço dos políticos pelos seus eleitores é cada vez mais mensurável. Enquanto em Salvador a contagem de mortos pelas chuvas chegava a 23, os bombeiros procuravam mais uma dezena de corpos na lama e a cidade entrava em estado de emergência, mais ao sul do Estado o governador Paulo Souto, o senador Antônio Carlos Magalhães e o deputado Luís Eduardo Magalhães -as principais figuras políticas da Bahia- tentavam participar de uma festividade. Em se tratando de programa festivo, é verdade que frustrado pelas vaias, não é preciso dizer quem também se mandou para lá.
A Bahia já foi moda. Agora segue a moda de Brasília.

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