São Paulo, quarta-feira, 24 de abril de 1996
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Buñuel expõe o desejo

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

A proximidade entre Hitchcock e Luis Buñuel talvez nunca tenha sido tão clara quanto em "Este Obscuro Objeto do Desejo" (Telecine, 3h30), último filme do cineasta espanhol (de 1977).
Os dois eram católicos. Hitchcock, praticante. Buñuel, surrealista e rebelde. Os dois, obcecados pelo desejo. Hitchcock, reprimido. Buñuel, nem tanto.
Em "Um Corpo que Cai", Hitchcock fez James Stewart se apaixonar por Kim Novak e desdobrou o papel feminino em dois (no início, Kim faz papel de atriz; depois, é a própria personagem).
Em "Obscuro Objeto", Buñuel fez Fernando Rey se apaixonar por uma só mulher, mas desdobrou o papel de Conchita em duas atrizes: Carole Bouquet e Angela Molina.
Com isso, coloca o desejo no centro do filme, ao mesmo tempo em que desloca o espectador de sua posição confortável de espectador. O personagem desejante e nós, que vemos o filme, passam assim pelo mesmo desconforto, pela mesma insatisfação. Ao mesmo tempo, as duas Conchitas fingem amar (ou amam?) o homem -como se fossem atrizes. Mistério e obscuridade do desejo são esquadrinhados -não esclarecidos- num quadro de rara liberdade, digna de mestre.
Buñuel cria o quadro para mostrar o que é mostrável no desejo: a maior dor do homem que é, também, a única chance de libertação desse ser incompleto.
(IA)

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