São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 1996
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O modelo telefônico australiano

LUÍS NASSIF

Assim como muitas economias emergentes, ainda nos anos 80 a Austrália deu início ao processo de desregulamentação de seu sistema de telefonia.
Sua história é útil para identificar erros e vantagens.
Até então, apenas uma empresa estatal incumbia-se do atacado e do varejo da telefonia -a Telstar, que era uma espécie de Embratel mais sistema Telebrás.
O modelo implantado consistiu uma espécie de duplo monopólio. Em 1989 abriu-se o setor atacadista (a Embratel) para mais uma empresa privada. E abriu-se para a concorrência o varejo.
Só que a Telstar continuou atuando nas duas pontas -da transmissão e do varejo.
Ao mesmo tempo, criou-se uma agência reguladora, incumbida de coordenar o setor.
Essa agência é responsável pelos padrões do sistema e pelas regras de entrada para as novas empresas, principalmente no tocante à interconexão -à medida que os serviços vão utilizar a malha existente e se comunicar com outros serviços.
A agência responde ao ministro das Comunicações, mas atua de maneira independente. Ou seja, cumpre diretrizes emanadas do ministério, mas tem plena liberdade para dirimir conflitos e pendências entre empresas.
O sistema acabou gerando distorções de monta. Como a antiga estatal continuou atuando nas duas pontas -atacado e varejo- ela passou a utilizar o sistema de tarifas para alijar novas empresas que entravam com serviços adicionados.
Essa mudança ocorreu em janeiro deste ano, e vai comprometer a competição interna.
Quem organizou?
De uma entrevista do governador Almir Gabriel (PA) ao repórter Ricardo Miranda, de "O Globo", a propósito do massacre de Eldorado:
"Durante 15 meses tentamos evitar o confronto. A Polícia Militar e o Instituto de Terras chegaram a distribuir alimentos e a mandar médicos para a área. Mas aí houve em Marabá reunião da direção nacional do Movimento dos Sem-Terra, na qual repreenderam severamente os líderes no Estado pelo fato de estarem negociando."
"Desde esse dia, as negociações ficaram mais difíceis. E foi nesse momento que os sem-terra decidiram ocupar a estrada 275, que passa em Curionópolis. Saquearam carros e roubaram alimentos. Depois foram para Eldorado, onde a barbárie aconteceu(...)."
"Dos 1.200 sem-terra em Curionópolis, apenas 350 são lavradores. Os 850 restantes são servidores públicos municipais, muitos de outros Estados. O contingente paraense não chega a 5%. Foram convocadas pessoas até do sul do Maranhão. Um dos feridos que visitei no hospital em Belém disse que tinha chegado ao Pará há apenas cinco meses a partir da divulgação de que os sem-terra estavam recebendo lotes lá."
Não há nada que justifique o massacre -nem o governador parece disposto a tal. Sabe-se quem deu a ordem para os tiros dos policiais. Mas não se sabe quem colocou mulheres, velhos e crianças na linha de frente enfrentando a polícia.
Registro as declarações não apenas pelo fato de Almir Gabriel ser um homem de passado respeitável, mas para fugir à redundância da cobertura. O fato de ser uma pessoa íntegra não o absolve das responsabilidades de mando.
Mas se não se analisar mais criticamente o episódio, corre-se o risco de tragédias desse porte servirem apenas de instrumentação política para líderes populares, tão descompromissados com a sorte de seus liderados quanto os soldados que apertaram os gatilhos.

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