São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 1996
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Novas biografias revelam a face humana de Borges

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O maior escritor da língua espanhola do século, o argentino Jorge Luis Borges, volta à ordem do dia, dez anos depois de sua morte, ocorrida em Genebra (Suíça) em 14 de junho de 1986.
As razões desse retorno são tanto literárias como mundanas. Enquanto se trava na Argentina um debate sobre a publicação de textos renegados pelo autor, duas biografias recém-editadas lançam novas luzes sobre sua controvertida figura.
Ambas foram publicadas na Espanha, mas seus autores são argentinos. "Borges - Esplendor y Derrota" (Tusquets Editores), de María Esther Vázquez, é a mais pessoal e apaixonada.
A autora, que foi amiga, colaboradora e musa de Borges, assume uma postura francamente contrária à viúva do escritor, María Kodama. Acusa-a de ter forjado o casamento com ele (ocorrido dois meses antes de sua morte) e de tê-lo afastado da família e dos amigos (sobretudo de Bioy Casares).
Mais distanciado, Marcos-Ricardo Barnatán procura fazer um levantamento exaustivo das relações entre a vida e a literatura do autor de "Ficções" em "Borges - Biografía Total" (leia abaixo).
Revelações
Para além das diatribes contra Kodama, o livro de Esther Vázquez traz revelações surpreendentes -algumas deliciosas, outras comoventes- sobre a personalidade do escritor.
Com um invejável domínio narrativo, conta em minúcias passagens-chaves da vida do biografado, entre elas o momento preciso em que perdeu definitivamente a visão, lendo às escuras um romance policial numa viagem de trem entre Buenos Aires e Mar del Plata.
O livro narra também os inúmeros amores platônicos de Borges, invariavelmente terminados em amargura e solidão.
Revela detalhes picantes sobre a vida do escritor, como sua breve experiência com cocaína, e até o tamanho de seu pênis -denunciado inadvertidamente quando ele, já cego, trocou de calção na praia do lado de fora da barraca.
Mas Vázquez -que co-escreveu com Borges "Introdução à Literatura Inglesa" e "Literaturas Germânicas Medievais"- não deixa de lado as letras. Além de registrar as principais leituras de seu personagem desde a adolescência, ela conta passagens de seu relacionamento com escritores da época.
Entre estes, Pablo Neruda -a quem Borges qualificava de "bom poeta e má pessoa"- e Federico García Lorca -a quem rotulou de "andaluz profissional".
O Borges que emerge das páginas dessa biografia, um homem que teve suas fases de boêmio e de anarquista militante, está muito distante da imagem asséptica e arrogante que viajou o mundo.
Seu amigo Néstor Ibarra assim o definiu uma vez: "É a única pessoa que leva o mundo na brincadeira e a literatura a sério". Vázquez mostra que talvez não seja verdade.

ONDE ENCONTRAR Livraria Letraviva: av. Rebouças, 2.080, tel. (011) 280-7992.

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