São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 1996 |
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Novas biografias revelam a face humana de Borges
JOSÉ GERALDO COUTO
As razões desse retorno são tanto literárias como mundanas. Enquanto se trava na Argentina um debate sobre a publicação de textos renegados pelo autor, duas biografias recém-editadas lançam novas luzes sobre sua controvertida figura. Ambas foram publicadas na Espanha, mas seus autores são argentinos. "Borges - Esplendor y Derrota" (Tusquets Editores), de María Esther Vázquez, é a mais pessoal e apaixonada. A autora, que foi amiga, colaboradora e musa de Borges, assume uma postura francamente contrária à viúva do escritor, María Kodama. Acusa-a de ter forjado o casamento com ele (ocorrido dois meses antes de sua morte) e de tê-lo afastado da família e dos amigos (sobretudo de Bioy Casares). Mais distanciado, Marcos-Ricardo Barnatán procura fazer um levantamento exaustivo das relações entre a vida e a literatura do autor de "Ficções" em "Borges - Biografía Total" (leia abaixo). Revelações Para além das diatribes contra Kodama, o livro de Esther Vázquez traz revelações surpreendentes -algumas deliciosas, outras comoventes- sobre a personalidade do escritor. Com um invejável domínio narrativo, conta em minúcias passagens-chaves da vida do biografado, entre elas o momento preciso em que perdeu definitivamente a visão, lendo às escuras um romance policial numa viagem de trem entre Buenos Aires e Mar del Plata. O livro narra também os inúmeros amores platônicos de Borges, invariavelmente terminados em amargura e solidão. Revela detalhes picantes sobre a vida do escritor, como sua breve experiência com cocaína, e até o tamanho de seu pênis -denunciado inadvertidamente quando ele, já cego, trocou de calção na praia do lado de fora da barraca. Mas Vázquez -que co-escreveu com Borges "Introdução à Literatura Inglesa" e "Literaturas Germânicas Medievais"- não deixa de lado as letras. Além de registrar as principais leituras de seu personagem desde a adolescência, ela conta passagens de seu relacionamento com escritores da época. Entre estes, Pablo Neruda -a quem Borges qualificava de "bom poeta e má pessoa"- e Federico García Lorca -a quem rotulou de "andaluz profissional". O Borges que emerge das páginas dessa biografia, um homem que teve suas fases de boêmio e de anarquista militante, está muito distante da imagem asséptica e arrogante que viajou o mundo. Seu amigo Néstor Ibarra assim o definiu uma vez: "É a única pessoa que leva o mundo na brincadeira e a literatura a sério". Vázquez mostra que talvez não seja verdade. ONDE ENCONTRAR Livraria Letraviva: av. Rebouças, 2.080, tel. (011) 280-7992. Próximo Texto: Viúva publica textos inéditos Índice |
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