São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 1996
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Evas e Pandoras: o Feminino revisitado

MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na Revista da Folha do domingo passado saiu, no "Posfácio", um saboroso texto do diretor executivo da Folha Online, Caio Túlio Costa.
No artigo, o jornalista aborda "O Feminino" partindo da análise mitológica em torno da Guerra de Tróia e, é claro, sem concordar com a conclusão, constata que "de Tróia se pode tirar a lição da importância politicamente incorreta da mulher enquanto objeto de beleza e vaidade".
Ora, o imaginário ocidental está recheado, desde a Antiguidade, de mitos, crenças e relatos fabulísticos em torno da mulher, seus encantos, feitiços e, principalmente, dos malefícios que pode acarretar. Por isso, é preciso, infelizmente, acrescentar à reflexão do Caio Túlio um outro viés desagradável e negativista quanto ao papel do Feminino na história humana: a Mulher como introdutora dos males do mundo.
Mitos
Há duas explanações exemplares que situam a origem das imperfeições humanas como consequência da ação feminina: o mito hebraico de Adão e Eva e o mito grego de Prometeu e Pandora.
O mito hebraico (por demais conhecido e, até, paradigmático) elabora um Paraíso centrado em duas árvores essenciais (a da Vida e a do Conhecimento).
Nele situa o casal humano primordial e estes recebem um único interdito: não aspirar à igualdade com a divina perfeição.
Por livre vontade, mas tentados por um veículo do mal externo ao humano (a serpente), o casal rompe o pacto (ao apoderar-se do Conhecimento) e, sendo expulso da presença da Divindade, não consegue apropriar-se da Árvore da Vida; nesse mito Adão acedeu à tentação de Eva, antes assediada pela serpente. A divindade não os deixou impunes.
Para o homem ("porque deste ouvidos à voz de tua mulher"), o castigo foi comer o pão com o suor do próprio rosto.
Para a mulher disse "multiplicarei os teus trabalhos e teus partos; darás à luz com dor os filhos e estarás sob o poder do marido, e ele te dominará".
Por sua vez, o mito grego também está calcado, inicialmente, nos perigos da tentativa de igualar-se aos deuses.
Zeus estava irritado com Prometeu porque este havia roubado o fogo (símbolo do saber e da técnica) e entregue ao gênero humano. Para vingar-se, Zeus ordena a Hefesto (deus do fogo, correspondente ao Vulcano dos romanos) que, usando barro, faça aquela que seria a primeira mulher na Terra: Pandora (todos os dons).
Zeus a ela entrega um jarro lacrado e a proíbe de abri-lo, enviando-a a Epimeteu (irmão de Prometeu). Curiosa, ela rompe o lacre e dali escapam os males que atingirão a humanidade. No fundo do jarro (portanto, em posse da humanidade) restou apenas a esperança.
Trabalho
Parte da penalidade imposta à mulher pela divindade hebraica, a multiplicação dos trabalhos, parece continuar valendo. De acordo com estudos da OIT (Organização Internacional do trabalho), do total de horas trabalhadas diariamente no planeta para a sobrevivência da espécie, dois terços o são pelas mulheres (isso apesar da população mundial ser quase paritária quanto ao percentual masculino e feminino). Da penalidade outorgada por Zeus, felizmente restou a esperança.
Pandoras ou Evas, as mulheres, a cada dia, constroem a igualdade dos gêneros. Talvez Simone de Beauvoir estivesse certa ao dizer que "não se nasce mulher, torna-se".

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