São Paulo, sexta-feira, 26 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Fim de Jogo' recusa qualquer explicação

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um velho cego e paralítico tenta manter a todo custo um criado que ameaça partir. Seus pais, que perderam as pernas em uma acidente de bicicleta, vivem em latas de lixo. Os quatro estão em uma sala com apenas duas pequenas janelas, uma para a terra, outra para o mar.
O que significa isso? "Isso não significa nada", responderia o irlandês Samuel Beckett, autor da peça "Fim de Jogo", que estréia hoje no Centro Cultural São Paulo.
"Ninguém pergunta 'o que significa isso' quando ouve uma música. E o texto de Beckett é uma partitura", diz Rubens Rusche, que dirige a montagem. "Beckett não acreditava na possibilidade da representação."
É um ponto de partida estranho: a peça surge para afirmar sua impossibilidade. Mas, ao mesmo tempo que é estranho, torna-se uma provocação enganadora.
Ao levar seus personagens ao limite do não-acontecimento, Beckett limpa a cena para que aflorem os puros jogos de poder em torno de nada, os afetos em torno de nada, o medo em torno de nada: uma humanidade depurada do mundo.
Humor
É sem dúvida angustiante. Mas é tão angustiante, tão exagerado, que provoca riso. "Essa tragédia vai a um tal extremo que se torna cômica", diz o diretor.
Exposição de sentimentos e gargalhadas, essa é a chave dupla que a montagem usa para pegar o público e buscar identificações.
Como em "Esperando Godot", a mais conhecida peça de Beckett, nada acontece além de uma grande espera. Mesmo os aparentes fatos -uma morte, uma partida- são ambíguos. Não se sabe ao certo se aconteceram.
Para viver essa diluição do mundo, os atores são os elementos centrais. A eles, Rusche dedicou uma preparação de três meses, com um método próprio: o esgotamento do que faziam antes.
"Os atores usam todos os seus recursos, até esgotá-los. Aí é o ponto crítico para começar."
Rusche estuda Beckett desde 1983. Ele já dirigiu "Katastrophé", montagem com quatro peças curtas de Beckett -uma delas era apenas uma boca que ficava falando no meio do palco.
Agora, além de dirigir "Fim de Jogo", Rusche é o organizador do evento Samuel Beckett 90 anos -o autor nasceu em 1906, numa Sexta-Feira Santa, dia 13 de abril.
Em 6 de maio, começa no Centro Cultural uma exposição de 40 fotos de montagens teatrais de textos de Beckett no Brasil e no exterior.
No mesmo dia, terá início uma mostra de vídeo e um ciclo de palestras, com Célia Barretini, Rubens Rusche, Marcio Aurélio e Jacó Guinsburg.

Peça: Fim de Jogo, de Samuel Beckett
Direção: Rubens Rusche
Com: Linneu Dias, Antonio Galleão, Nivaldo Todaro e Bete Dorgan
Quando: estréia hoje às 21h
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 011/277-3611)
Quanto: R$ 8,00, de quinta a domingo; R$ 4,00 às quartas-feiras

Texto Anterior: DJ americano toca em São Paulo em maio; Loja promove festa de rock alternativo dos 80; Secretaria irá preservar monumentos artísticos; Regis Debray lança em Paris seu novo livro; Atriz Margot Kidder escreve sua biografia; Astronautas russos mudam cores da Pepsi
Próximo Texto: "Rei Lear" começa hoje no Cultura Artística
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.