São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

A busca da palavra certa, aquela capaz de expressar correta e precisamente uma idéia, parece caminhar para a extinção em jornalismo. Ultimamente, entre outros abusos, redatores deram para emprestar faculdades de seres animados a inanimados.
O presidente Fernando Henrique Cardoso andou até ironizando repórteres e lhes disse que o Planalto não poderia "querer" coisa alguma, porque era só um prédio. Claro que foi um modo verbalmente esperto de fugir da raia, mas isso é outra história.
Não há razão para escrever, por exemplo, que a obra x ou y "pretende" resolver tal ou qual problema. Intenção e volição não são características assimiláveis por obras públicas (embora muitos assegurem serem elas bem "espertas"). Esse emprego esdrúxulo apareceu por duas vezes numa mesma página (3-11) da Folha de segunda-feira.
"Visar" não é boa alternativa, muito menos "querer". Acho difícil escapar da locução "ter o objetivo de". Se não couber no título, é este que tem de mudar, não a pobre da língua burilada por séculos de engenho e arte.
E não venham defender essa tontice como figura de linguagem, a famosa prosopopéia (dar vida, movimento ou voz a coisas inanimadas). Neste caso, não cabe nem mesmo o segundo sentido da palavra registrado pelo "Aurélio": discurso empolado. A palavra justa, aqui, é pobreza.

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