São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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Investimento em prevenção é rentável

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Investir na prevenção da Aids é hoje a aplicação mais rentável disponível no mercado. Técnicos do Ministério da Saúde estimam que US$ 1 aplicado agora terá um retorno de US$ 36 num futuro breve.
O cálculo foi feito com base no valor médio de US$ 20 mil que os doentes consomem em internação e medicamento. O retorno é muito maior quando se consideram as futuras perdas socioeconômicas.
Com base em projeções da Organização Mundial da Saúde, o ministério estima que o Brasil estará perdendo US$ 2,7 bilhões de dólares por ano quando todas as pessoas infectadas caírem doente.
Para chegar a esses números, tomou-se uma população economicamente ativa de 76 milhões de pessoas e um produto médio per capita anual de US$ 5.920.
Os cálculos consideraram que 0,6% da população ativa já tem o HIV, o que daria 456 mil infectados. O próprio ministério alerta que esse número de portadores saltará para 1,2 milhão no ano 2000 se não forem feitos investimentos em prevenção. As perdas anuais atingiriam US$ 8 bilhões.
Nos EUA, uma lista de dez "razões econômicas" são listadas desde 1988 para convencer os empresários a investir em prevenção e tratamento. A lista lembra as perdas com mão-de-obra treinada, queda na produção, prejuízos para a imagem da empresa e o risco de crises provocadas internas.
No Brasil, muitas empresas se limitam a cumprir ou driblar as normas, lembra Wildney Feres Contrera, do Gapa de São Paulo. Uma única palestra sobre Aids incluída na Semana Interna de Prevenção aos Acidentes de Trabalho basta para atender a lei.
Há maus exemplos mesmo entre grandes empresas, diz Wildney. Entre 14 delas que iniciaram programas com o Gapa -algumas multinacionais-, metade abandonou os projetos no caminho.
Para uma fatia do empresariado brasileiro, a Aids ainda está muito aquém do "investir ou não investir". Muitos resolvem a questão botando na rua o funcionário soropositivo ou com Aids.
Esse grupo está encolhendo às custas de derrotas na Justiça, perdas com indenização e arranhões na imagem pública da empresa. Desde o início da epidemia, só os advogados do Gapa de São Paulo -Grupo de Apoio à Prevenção à Aids- entraram com quase mil ações na Justiça comum e trabalhista. Só duas causas foram perdidas, diz a presidente e advogada, Aurea Celeste Abade.
Nos últimos três anos, chegaram ao Gapa 760 reclamações trabalhistas e 150 ações foram ganhas.
"O doente é abandonado pela empresa e recusado pelo convênio-saúde", diz Aurea. As primeiras vítimas morreram antes que a Justiça se manifestasse. Hoje a sensibilidade dos juízes está apressando os julgamentos.
E forçando muitos empresários a mudar de atitude. O ex-escriturário José Carlos Veloso, 28, foi despedido em 1990 quando a rede de supermercados onde trabalhava descobriu que era portador do vírus. Perdeu em primeira instância, recorreu e ganhou na segunda, em 1994. A empresa teve que indenizá-lo por danos morais e pagar o tempo que ficou fora do trabalho.
Em maio serão julgados os casos do gerente de farmácia Antonio C. G., 42, e do auxiliar de mídia José C., 23. São duas entre as dezenas de ações que a advogada Marisa Severo, do Gapa, está movendo.
Antonio diz que foi despedido de uma rede de farmácias quando informou que tinha o HIV. José afirma que foi pressionado a pedir demissão pela agência onde trabalhava depois que descobriram que tinha Aids.
A agenda dos advogados do Gapa está lotada até junho.

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