São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 1996
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NO LIMBO DA HISTÓRIA

A teologia medieval faz alusão a um lugar para onde supostamente iriam crianças que, embora sem nenhuma culpa pessoal, tivessem morrido sem o batismo -que as teria livrado do pecado original. O termo "limbo" passou a ser usado também para designar um lugar no qual são atiradas as coisas inúteis. Seja qual for o sentido escolhido, o limbo da história tem sido, até agora, o destino reservado à apuração das grandes tragédias nacionais.
A demora nas investigações e as naturais dificuldades no reconhecimento dos suspeitos da chacina da Candelária indicavam que também esse caso caminharia para o "bad end" da impunidade. Seria, aliás, fácil prever que crianças desnutridas e abandonadas às contingências da marginalidade não estivessem em boas condições para prestar depoimentos minimamente consistentes, passados quase três anos da tragédia. Daí as contradições presentes nos relatos de alguns menores.
De resto, o julgamento de hoje contará agora somente com a presença de um dos sobreviventes (outros sete menores convocados não puderam ser localizados). Um ex-PM entregou-se à Justiça na quinta-feira e ao mesmo tempo declarou a inocência de três dos quatro PMs indiciados. O esclarecimento da tragédia, que parecia ter como principal obstáculo a dificuldade de colher depoimentos suficientes e fidedignos, torna-se agora um pouco mais factível.
Dados do Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente indicam que, dos 72 menores que dormiam perto da igreja da Candelária, cerca de 50 continuam a viver nas ruas e dois estão presos.
Condenadas desde sempre pelo pecado original de terem nascido pobres, espera-se agora que, para elas e para o enorme contingente de menores abandonados no Brasil, não esteja reservado o batismo da impunidade e o tratamento que se costuma dar aos objetos sem serventia.

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