São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
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Geração impotente assiste à agonia dos avós

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tudo o que me interessa quando trato da vida dos idosos é poder um dia vingar o meu avô, ou o homem que fazia às vezes de meu avô.
Não represento ninguém, movimento nenhum, tendência ou grupo de qualquer espécie, embora possa, em certos casos, parecer o contrário.
Outro dia me pediram para dar destaque aqui ao julgamento de um assassino, forma de pressionar para que o homem fosse condenado. O pedido me chocou. Quem disse que falo aqui pelas vítimas? E quem disse que os assassinos não são também vítimas?
Alegavam que a vítima assassinada era militante do movimento negro. E daí? Além de o motivo do crime não ter sido a cor da pele da mulher (foi briga de bar), pouco me importa se são pretos ou brancos assassino e vítima. O pedido me irritou. Não sou juíza.
Toda essa introdução para voltar a falar de velhos. Em vinte anos a avenida Imbiribeira alargou-se, da pista única que era, passou para quatro, ficou perigosa, trafegada pelo triplo de carros, modernos, velozes. Os Tijolos, o bordel local, já tinham se acabado há muito tempo -pelo menos esse perigo não havia mais.
Meu avô morreu mesmo atropelado na avenida, depois de vinte anos atravessando a Imbiribeira no mesmo ponto para comprar pão. Nunca instalaram sinaleiras para pedestres. E meu avô se recusava a aceitar que já não podia realizar com agilidade aquele ritual de fim de tarde -levar para casa, com orgulho, o pão ainda quente no saco de papel.
Droga de vida. Eu trouxe aqui mais de uma vez o caso de dona Edna, a recém-aposentada que, ao completar 61 anos de idade, teve seu convênio de saúde Amil aumentado em mais de 60%. Aumento que dão para quem muda de faixa etária, os ladrões.
Ficou provado que esse aumento é inconstitucional, porque baseado na discriminação -a Constituição brasileira proíbe discriminações!
Para ajudar dona Edna, liguei para o Procon de São Paulo, nº 1512. Ocupado o tempo todo. Como é que o Procon vende essa propaganda mentirosa? Liguei umas vinte vezes. Impossível completar a ligação.
Liguei então para a ouvidoria do Procon. Com muita gentileza, informaram que o órgão não tem verbas para aumentar a rede de telefones.
Sobre o caso de dona Edna, aconselharam-me a mandar por fax os comprovantes da extorsão. Eles se encarregavam de enviar tudo para uma procuradoria qualquer em Brasília, junto com outras milhares de queixas contra convênios.
Que desânimo. Impotente, levei dona Edna para casa. Que geração é essa minha que não tem de onde tirar uma sinaleira para pedestres idosos? Que não tem como defender os velhos da violência evidente?
Ouvi dizer que criaram medidas provisórias para controlar os aumentos de convênios médicos. Mas não ouvi falar em velhos, em faixa etária.
Droga de vida. Eu só queria mesmo vingar o meu avô, por pura saudade dele e dos pães quentes que ele trazia, do doce, do francês, do bolachão.

E-mailmfelinto@folha.com.br

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