São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
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Armadilha monetária

CELSO PINTO

Mais uma vez, falou-se em reduzir os compulsórios dos bancos. Mais uma vez, o Banco Central preferiu deixar tudo como está, mexendo apenas no prazo e no imposto sobre créditos para pessoas físicas.
Mexer no compulsório significaria aliviar o custo dos empréstimos e reduzir distorções no mercado financeiro. Algo recomendável tanto em função da estagnação da economia nos últimos seis meses quanto da fragilização do sistema bancário. Por que tanta cautela?
Em parte, porque, a exemplo de tantos outros instrumentos fiscais ou parafiscais, o que nasceu para ser uma medida emergencial, de curto prazo, foi sendo esticado, e o dinheiro foi sendo gasto por conta.
Compulsório é a parcela que os bancos têm de recolher aos cofres do BC sobre depósitos à vista (83% do total), a prazo (30%) e de poupança (15%), que captam do público. Os bancos não recebem nada pelo compulsório sobre depósitos à vista e muito pouco pelos outros.
O nível do compulsório já foi maior, mas continua altíssimo. Isso, somado ao Imposto sobre Operações Financeiras, significa custos que são automaticamente repassados aos tomadores de empréstimo.
Os bancos não perdem nada com isso. Ao contrário, os mais espertos descobrem maneiras criativas de contornar os recolhimentos e acabam tendo um lucro adicional. A parafernália da cunha fiscal abre uma gigantesca distância entre o custo de captação do sistema (o que é pago ao aplicador) e o custo do empréstimo.
O custo básico de captação caiu pela metade em relação ao ano passado. A taxa efetiva está em 2% ao mês, o que, considerados o imposto e a projeção de inflação, dá um ganho real para o investidor de 7% a 9% ao ano. Pode cair um pouco mais, como espera o mercado, mas está próxima do piso.
Enquanto isso, o custo dos empréstimos continua em 5% a 7% ao mês para empresas com menor poder de barganha. Como não há negócio capaz de ter um retorno de 50%, 60% ou 70% reais ao ano, quem recorre a créditos está, por definição, a caminho da insolvência -o que leva os bancos a cobrar algo mais pelo risco e pelo custo da inadimplência de sua carteira.
O salto nos compulsórios começou em outubro de 1994, por uma boa razão. Na época, a economia estava superaquecida, e a política fiscal, frouxa. Para salvar o Plano Real, sobrava a política monetária.
O BC poderia ter jogado na lua os juros básicos da economia ou recorrer aos compulsórios. Se usasse os juros básicos, teria dado um tiro no pé. Como o governo é o maior devedor, o custo fiscal dessa política teria sido imenso.
Preferiu montar a teia de compulsórios e usar medidas administrativas para conter o crédito. Jogou o custo dos empréstimos ao setor privado na estratosfera, ao mesmo tempo em que aumentava, em muito menor escala, os juros básicos.
A política foi eficaz. A economia despencou, e a inflação manteve-se baixa.
Só que o próprio autor da política, o então presidente do BC, Pérsio Arida, sempre alertou que o uso da cunha fiscal deveria ser limitado a seis meses ou pouco mais.
Ele gera desintermediação financeira e, por ser uma espécie de imposto sobre transações (como o imposto sobre o cheque), provoca distorções, pois incide em cascata sobre o custo de produção.
A economia entrou no segundo semestre do ano passado desaquecida, e a prova final do sucesso da contenção foi a reversão dos resultados na balança comercial.
Naquele momento, o governo teria duas opções: começar a desmontar os compulsórios, até porque a crise bancária já era visível, ou mantê-los mais um pouco, aproveitando a retração econômica para uma correção mais agressiva no câmbio.
O BC preferiu ficar com os compulsórios e não mexer no câmbio, agravando a crise bancária e a situação dos devedores privados e públicos. Pior: esse agravamento exigiu a injeção maciça de recursos do governo. A conta do Proer ainda não fechou, e a dos Estados está apenas abrindo.
Aí entra o dilema atual. O dinheiro dos compulsórios, R$ 41,8 bilhões em março (incluindo R$ 11 bilhões de depósitos judiciais e dos fundos), é um dinheiro barato para o governo. Além disso, a liquidez da economia já tem crescido bastante, mesmo sem a liberação dos compulsórios. Por que abrir mão desse dinheiro barato e expandir ainda mais a liquidez?
Por não ter removido a causa, o BC está pagando pelas consequências.

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